Na mesma eleição que garantiu a presidência a Donald Trump, os Estados Unidos também elegeram um recorde de candidaturas LGBTQIA+ no Legislativo. Mas foi Harvey Milk quem abriu as possibilidades para esse fato histórico, quando há quase 50 anos se tornou o primeiro homem abertamente gay a ser eleito para um cargo público no país.

Um dos mais importantes sujeitos não-heterossexuais a desafiar a invisibilidade e o preconceito ao ocupar um cargo público no país mais poderoso do globo durante o século XX, Milk é o tema do nosso História Queer de hoje. Sua luta representou um marco para a visibilidade da comunidade LGBTQIA+ na vida pública e firmou as bases para que outras vozes da comunidade se levantassem na política e na sociedade dos EUA e do mundo.

Milk na infância ao lado do irmão Robert (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)
Milk na infância ao lado do irmão Robert (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)

Quem foi Harvey Milk?

Harvey Bernard Milk nasceu em 22 de maio de 1930, no distrito de Woodmere, em Long Island, Nova York, no seio de uma família judaica de classe média. Criado em uma vizinhança suburbana, foi alvo de zombarias devido à sua aparência, mas seguiu demonstrando interesses múltiplos: era apaixonado por futebol, ópera e artes, e seu comportamento comunicativo nunca levantou suspeitas sobre sua orientação sexual, até então mantida em segredo.

“Ele nunca foi visto como uma possível bicha – é assim que vocês então o chamavam. Ele era um homem que gostava de coisas de homens (a man’s man)”, revelou um colega de Milk anos após sua morte.

Em 1951, Harvey Milk formou-se em Matemática e, logo depois, iniciou uma trajetória diversa. No começo da sua vida adulta, ele serviu na Marinha dos Estados Unidos durante a Guerra da Coreia, atuando como oficial de mergulho. Após ser dispensado com honras, trabalhou como professor e, posteriormente, como corretor de seguros em Nova York, onde, devido ao clima de repressão da época, manteve sua orientação sexual em segredo.

Harvey e Minerva, sua mãe, na época em que era alistado (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)
Harvey e Minerva, sua mãe, na época em que era alistado (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)

Foi apenas quando mudou-se para São Francisco, em 1972, que Milk encontrou seu verdadeiro propósito. Na cidade californiana conhecida pela efervescência cultural e pelo movimento de direitos civis em expansão, ele sentiu-se livre para assumir publicamente seus interesses. Pouco depois, abriu uma loja de câmeras na região de Castro, um lugar que logo se tornou um ponto de encontro e resistência para a comunidade queer local.

Após tentativas frustradas de entrar na política, sua persistência finalmente foi recompensada em 1977, quando conquistou uma vaga na Câmara dos Supervisores de São Francisco. Seu carisma e visão progressista logo o tornaram uma figura respeitada e querida por toda a cidade.

Milk discursa para uma multidão em São Francisco (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)
Milk discursa para uma multidão em São Francisco (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)

No governo da Califórnia, Milk apoiou a primeira legislação anti-discriminação do país, protegendo pessoas LGBTQIA+ sem empregos e habitação. Sua luta se estendeu à inclusão de minorias raciais, mulheres e outros grupos marginalizados em programas sociais, consolidando seu compromisso com a igualdade para todos.

Apesar dessas conquistas, Harvey Milk passou a receber ameaças de morte, o que o levou a gravar uma fita com o que desejava que acontecesse caso fosse assassinado. “Se uma bala entrar em meu cérebro, deixe que a bala destrua cada porta do armário”, disse.

Em 27 de novembro de 1978, aproximadamente 11 meses após o início do seu mandato, a ascensão política de Harvey Milk foi encerrada por uma tragédia. Ele e o prefeito George Moscone foram assassinados por Dan White, um ex-colega do Conselho de Supervisores de São Francisco. A morte de Milk aos 48 anos deixou uma marca de dor e indignação na comunidade LGBTQIA+ dos EUA e lançou luz sobre os perigos da discriminação e do ódio.

Em 2008, a história de Harvey Milk foi imortalizada num filme dirigido por Gus Van Sant e estrelado por Sean Penn, que venceu a estueta de Melhor Ator no Oscar daquele ano. Aclamado pela crítica, Milk – A voz da igualdade oferece um retrato íntimo e sensível da trajetória de Harvey, evidenciando as dificuldades e conquistas que ele viveu.

Além da obra de Van Sant, o ativista também ganhou um documentário em 1984, dirigido por Rob Epstein. The Times of Harvey Milk recebeu o Oscar de Melhor Documentário e reuniu imagens inéditas de Milk e do prefeito Moscone. Em 2012, ele foi considerado “culturalmente, historicamente e esteticamente significativo” pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

Após sua morte, o ativista tornou-se um mártir do movimento, sendo lembrado até hoje por sua coragem, humor e resiliência. Em 2009, o ex-presidente Barack Obama concedeu-lhe postumamente a Medalha Presidencial da Liberdade, um dos maiores reconhecimentos civis dos Estados Unidos, simbolizando o impacto profundo que seu legado continua a ter.

Apesar de sua vida ter sido interrompida tragicamente, o trabalho de Harvey Milk reverbera e segue inspirando o movimento queer e figuras LGBTQIA+ na política americana atual. Como o próprio costumava dizer: “A esperança nunca vai ficar silenciosa”.

"Harley Milk Vive!", pichação em São Francisco após a morte do ativista (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)
“Harley Milk Vive!”, pichação em São Francisco após a morte do ativista (Foto: Harvey Milk Archives-Scott Smith Collection)