O Supremo Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade na última segunda-feira (5) que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha também devem ser aplicadas às mulheres transexuais e travestis vítimas de violência doméstica. Esta é a primeira vez que o tema gera um entendimento nesse nível do Judiciário desde 2006, quando a legislação entrou em vigor. Agora, o precedente deve ser aplicado no restante do País.

A questão era inédita até então nos tribunais superiores do Brasil e foi julgada pela 6ª Turma do STJ. A análise foi feita com base em um recurso do Ministério Público contra uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia negado as medidas protetivas para Luana Emanuele, então com 18 anos e vítimade agressão do próprio pai, que não aceitava sua identidade de gênero.

Apesar de algumas muheres trans já terem conseguido medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha anteriormente, não havia uma decisão de tribunais superior que gerasse um entendimento unificado sobre o tema. Assim, a inclusão ou não de transexuais na legislação dependia de cada julgamento. À época, o TJ-SP sustentou que havia “impossibilidade jurídica de fazer a equiparação ‘transexual feminino = mulher'”.

“A própria realidade brutal vivenciada pelas mulheres trans nos permite identificar traços comuns com a violência praticada contra as mulheres sui generis. Os atos possuem a mesma origem : discriminação de gêneros”, destacou a ministra Laurita Vaz durante seu voto.

Já o relator do caso, o ministro Rogério Schietti, frisou que o Brasil segue há 13 anos como o País líder de assassinatos das mulheres trans e travestis em todo o mundo, e disse: “Esse é um dado preocupante porque reflete, talvez, um comportamento predominante na nossa cultura que não aceita identidades outras que não aquelas que a nossa cultura, a nossa formação, nos levou a definir, até por questões religiosas, como identidades relacionadas tão somente ao sexo, a característica biológica de cada um. Então, o que se discute aqui é que a possibilidade de uma lei que veio para proteger a mulher em relações domésticas, afetivas, familiares, possa também abrigar quem assim se define, quem assim se identifica”.

Raquel Dodge, subprocuradora-geral da República, defendeu que a legislação serve justamente para proteger mulheres de tratamento discriminatório e violento. “Não há razão nenhuma para excluir do acesso à Justiça, do acesso à proteção das medidas garantidas pela Lei Maria da Penha, as transexuais femininas. A mulher transexual, independentemente de ter sido submetida a cirurgia de transgenitalização, deve estar sob a proteção da Lei Maria da Penha se a ação ou omissão que ela sofreu decorre desta sua condição social”, declarou.

De acordo com os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foram registrados 140 assassinatos da população transgênera brasileira no ano passado. A maioria das vítimas é preta e do gênero feminino.