O longa-metragem Regra 34, da diretora brasileira Julia Murat, traz à tona questões referentes às práticas de BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação-Submissão e Sadomasoquismo), mescladas em um olhar político sobre a sociedade brasileira. O trabalho coproduzido com a França recebeu no último sábado (13) o Leopardo de Ouro, prêmio máximo no 75º Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça.

Receber prêmios abre portas para qualquer cineasta, mas ganhá-lo em Locarno é como começar um novo ciclo. O festival suíço é conhecido por sua programação de filmes independentes e nomes emergentes do audiovisual. É um dos festivais mais antigos da Europa e até a edição deste ano somente o brasileiro Glauber Rocha havia recebido o Leopardo de Ouro por seu Terra em Transe (1967).

Em Regra 34, a advogada Simone (Sol Miranda) inicia um curso preparatório para ser uma defensora pública dos direitos das mulheres. Sua vida cotidiana consiste em estudos jurídicos, aulas de kung fu e sessões no Chaturbate, com as quais ela levanta dinheiro.

Em "Regra 34", Sol Miranda vive a advogada Simone, que passa em concurso para a defensoria pública e explora o mundo do BDSM (Foto: Divulgação)
Em “Regra 34”, Sol Miranda vive a advogada Simone, que passa em concurso para a defensoria pública e explora o mundo do BDSM (Foto: Divulgação)

Enquanto assiste a um filme de BDSM, Simone é tomada pela expressão que vê no rosto de uma mulher – uma mistura de medo e êxtase –, o que a fascina. O filme atrai tanto o seu impulso de gratificação sexual como os seus medos e concretiza um desejo urgente. Uma vontade insaciável por perder o controle assume o seu lugar, levando a protagonista a mergulhar no universo do BDSM. No elenco também estão Lorena Comparato, Lucas Andrade, Isabella Mariotto, Rodrigo Bolzan e Raquel Karro.

Murat traz em sua direção uma série de elementos que cria a humanidade de uma personagem feminina e também as contradições dentro do seu desejo. Os vilões do filme estão incorporados na instituição, o que torna o longa político e, por vezes, dá-lhe um viés didático sobre políticas públicas e questões raciais.

“Tem algumas coisas difíceis para se ver no filme, mas é interessante ver política e BDSM sendo abordados em personagens pouco vistos no cinema”, diz o produtor suíço Michael Graf ao final da sessão no Festival. Assista ao trailer de Regra 34 abaixo.

Desafios do cinema brasileiro

Sem apoio federal, o audiovisual brasileiro se agarra nos últimos anos às coproduções com outros países, fundos internacionais de incentivo e produções para o streaming. Em diversas camadas, Regra 34 é uma crítica à perseguição contra um audiovisual feito com histórias LGBT+ e enredos que partem de personagens e lugares não baseados em estereótipos.

Em julho de 2021, Murat teve seu filme selecionado pela comissão do Fundo Audiovisual de Gotemburgo, na Suécia, para receber Є 35 mil (aproximadamente R$ 215 mil). Lançado pelo Festival Internacional de Cinema de Gotemburgo, o fundo é uma iniciativa do governo sueco de apoio ao audiovisual de países onde a cultura, a democracia e a economia estão em risco.

A diretora Julia Murat se disse surpresa ao vencer o Leopardo de Ouro, no Festival de Locarno, por achar que "Regra 34" "não seria um filme que o todo o júri ficaria a favor" (Foto: Festival de Locarno | Samuel Golay | Divulgação)
A diretora Julia Murat se disse surpresa ao vencer o Leopardo de Ouro, no Festival de Locarno, por achar que “Regra 34” “não seria um filme que o todo o júri ficaria a favor” (Foto: Festival de Locarno | Samuel Golay | Divulgação)

O Brasil aparece na lista junto de países com cinematografia pouco difundida ou quase nenhuma tradição democrática, como o Sudão e a Ucrânia. O fundo também incentiva o cinema curdo, feito pela minoria étnica que vive no Irã, Iraque, Síria e Turquia.

Pelo menos mil inscrições foram enviadas para recebimento do apoio e 75% chegaram do Brasil. Foram 600 projetos buscando financiamento para desenvolvimento e 145 filmes já rodados à procura de recursos de pós-produção.

“O filme vai tocar algumas pessoas e essas pessoas vão mudar por causa do filme, mas não acho que o filme tem a capacidade de mudar toda uma cultura. Não sei se um filme teria essa capacidade”, disse Julia Murat em entrevista após ganhar o Leopardo de Ouro. A cineasta ainda se confessou surpresa com o recebimento do prêmio, principalmente por acreditar que “não seria um filme que o todo o júri ficaria a favor”.