A Copa do Mundo no Catar começou neste domingo (20), mas para muita gente ela já pode ser considerada uma das piores da história da Fifa. E não tem nada a ver com o nível do futebol, mas sim devido às violações de direitos humanos que afetam pessoas LGBTI+, mulheres e imigrantes no país, o primeiro do Oriente Médio a sediar um mundial, .

O Catar é uma país conservador que segue a Sharia, conjunto de leis islâmicas baseadas no Corão. É a Sharia que determina a homossexualidade como crime, com punições que variam de multas até pena de morte.

Apesar de a pena de morte nunca ter sido aplicada no Catar, a possibilidade de ser preso durante a Copa impediu centenas de torcedores LGBTIs de participarem da festa in loco. Ainda mais depois de a organização local proibir bandeiras do arco-íris durante as partidas, e dos registros de hotéis em Doha se recusando a aceitar casais homoafetivos.

Outro aspecto da cultura islâmica é a falta de direito das mulheres. No Catar não é diferente. Hoje, as mulheres podem sair às ruas sozinhas, dirigir e trabalhar, mas desde que tenham autorização do marido ou do empregador, no caso das solteiras e estrangeiras. As roupas tradicionais como o hijab não são obrigatórias para quem vem de fora, mas decotes, saias e shorts devem ser evitados.

As políticas discriminatórias catarianas afetam também as pessoas heterossexuais. Homem e mulher não podem demonstrar afeto em público, também segundo a Sharia, e aqueles que não são oficialmente casados ou não carregam o mesmo sobrenome estão encontrando dificuldades de reservar o mesmo quarto em hotéis, já que o sexo fora do casamento é proibido.

Gianni Infantino, presidente da Fifa, comparou a discriminação e preconceito no Catar com o bullying que ele sofria na infância por ser ruivo (Foto: AFP)
Gianni Infantino, presidente da Fifa, comparou a discriminação e preconceito no Catar com o bullying que ele sofria na infância por ser ruivo (Foto: AFP)

A Fifa não é mais a mesma que escolheu o Catar como país sede há 12 anos, mas ainda tenta a todo custo minimizar as questões de direitos humanos. Na última entrevista coletiva antes da estreia, o presidente da entidade, Gianni Infantino, recebeu ainda mais críticas ao comparar a discriminação e preconceito contra minorias com o bullying que ele sofria na infância por ser ruivo.

“Claro eu não sou catariano, árabe, gay, africano, deficiente, não sou um trabalhador, mas eu me sinto como eles. Porque eu sei como é ser discriminado, como é sofrer bullying, como é ser estrangeiro. Eu, quando era criança na escola, sofria por ter cabelo vermelho, por ser italiano e não falar bem alemão. E o que você faz? Você olha para baixo, chora, e aí você tenta fazer amigos, tenta falar e se envolver, tenta com esses amigos se engajar. Você não xinga, não briga, você tenta se enturmar. E isso é o que a gente tem que fazer”, disse Infantino, que viveu parte da infância na Suíça.

A coletiva em que ele deu tal declaração durou cerca de 45 minutos. Mesmo na véspera do Mundial, Infantino tinha muitas explicações a dar, principalmente após a proibição definitiva de bebida alcoólica que vai afetar a maiorias dos torcedores visitantes, bem como um dos principais patrocinadores do evento, a Budweiser. Cervejas só poderão ser comercializadas nas Fan Fest, espaços organizados pela própria Fifa para receber visitantes do mundo inteiro. No estádio, foi permitida apenas a venda de cerveja sem álcool.

Os estádios em si são outro problema à parte. Das oito arenas que receberão jogos durante a Copa, sete foram construídas do zero, a um custo de US$ 6,5 bilhões (cerca de R$ 33 milhões), tornando a edição de 2022 a mais cara da história das Copas. Mesmo com todo o dinheiro jorrando para estádios e infraestrutura, não faltaram abusos a operários nas obras, a maioria contra imigrantes.

Segundo a Human Rights Watch, tanto o governo do Catar quanto a Fifa foram complacentes em problemas como o não pagamento de salários, ferimentos e até mortes. Estima-se que 6 mil pessoas perderam suas vidas nas obras.

Algumas seleções europeias estavam preparando protestos contra as políticas do Catar durante a competição. Os capitães Manuel Neuer, Harry Kane e Simon Kjaer, que defendem Alemanha, Inglaterra e Dinamarca, respectivamente, iriam usar braçadeiras com a mensagem One Love e um coração colorido, em resposta à discriminação. A Fifa proibiu a ação e os jogadores optaram uma faixa preta com NO DISCRIMINATION, escrito em cores simples.

A postura das seleções europeias irritou o presidente Infantino. A Fifa costuma punir times e seleções que se manifestam politicamente em jogos oficiais, e essa foi a justificativa para a proibição. Além disso, Infantino atacou a hipocrisia dos países do Velho Continente.

“Pelo que nós, europeus, fizemos nos últimos 3 mil anos, deveríamos nos desculpar pelos próximos 3 mil antes de dar lições de moral aos outros. Essas lições de moral são simplesmente hipócritas”, disparou.

Se os países europeus são considerados hipócritas, talvez as seleções de antigas colônias pudessem se manifestar. Mas se depender do Brasil, isso não vai acontecer. A Confederação Brasileira de Futebol já avisou que não vai se juntar aos protestos contra a discriminação no Catar. A decisão não surpreende, visto que esse mesmo grupo perdeu a grande oportunidade de se recusar a jogar a Copa América em 2020 no Brasil, enquanto milhares de pessoas morriam diariamente de covid-19.

Antes mesmo de a bola rolar, jornalistas já foram coibidos por autoridades nas ruas de Doha enquanto trabalhavam. Existe uma grande tensão entre grupos de torcedores sobre como se comportar, uma vez que a Fifa lavou as mãos e pede que os visitantes respeitem a cultura local, ainda que essa “cultura” seja discriminatória contra minorias.

Sob os olhares do mundo, Catar e Fifa ainda tentam mostrar que a decisão de sediar uma Copa em um país tão restrito não foi ruim. Mas, independentemente dos grandes jogos que estão por vir, dos craques ou de quem seja campeão no final, fora de campo todos já perderam.