As músicas, os clipes, a infância e o impacto de Frank Ocean serão tema de um curso especial da Universidade Berkeley, na Califórnia, com as aulas marcadas para começarem em setembro deste ano. O projeto foi uma proposta das alunas e amigas Preya Gill e Deborah Chang. A ideia, que já foi celebrada pela mãe do cantor, Katonya Breaux, surgiu após elas dividirem um quarto no dormitório da faculdade e descobrirem a admiração em comum pela arte de Frank.
Batizado “Brain Like Berkeley” (uma referência à música “Novacane”), o curso será ministrado pelas próprias alunas e seu objetivo é analisar tanto o lirismo e a musicalidade de Frank Ocean, quanto o seu impacto cultural e social em questões de sexualidade, gênero e raça. Por email, ela nos explicaram que “essa combinação dá base para um rigoroso curso acadêmico”.
Em 2012, Frank publicou uma carta aberta em seu tumblr, na qual contou sobre seu primeiro amor com um homem. Nomes como Beyoncé, Jay-Z e Tyler The Creator pronunciaram publicamente o seu apoio a Ocean, enquanto a mídia elogiou a coragem do artista de se assumir em uma indústria tão homofóbica como o hip hop. Desde então, sua arte vem desafiando as normas de gênero através de músicas, videoclipes e ensaios fotográficos, com versos sobre encontros às cegas em bares gays, relacionamentos com garotos andróginos e até uma serenata ao vivo para Brad Pitt.
Ao mesmo tempo, há também o aspecto fonográfico de Frank, que o torna ainda mais fenomenal. Em uma época na qual artistas e gravadoras se estapeiam para abrir espaço no mercado de streamings, criando singles descartáveis e comerciais com uma superexposição de imagem, o artista não cultiva rede social além de seu Tumblr, é avesso a entrevistas e raramente é visto em eventos públicos. Isso e o fato de que ele é considerado um dos melhores compositores e produtores da última década, mesclando influências que vão de Gal Costa (um trecho de “Vapor Barato” aparece no disco “Endless”) e Stevie Wonder a Alliyah e música clássica, coroaram o artista como um dos mais singulares e influentes de sua geração.
Apesar de outros artistas como Beyoncé (Copenhagen University) e Kendrick Lamar (Georgia Regents University) terem se transformado em cursos acadêmicos nos últimos anos, graças à forma como abordam a cultura, a arte e a história da população negra nos Estados Unidos, essa é a primeira vez que um artista preto e queer é encarado com a mesma potência e rigor profissional. Abaixo, Preya e Deborah falam mais detalhadamente sobre como foi a concepção do curso, o que pretendem atingir com ele e dissecam algumas camadas do fenômeno Frank Ocean:
Híbrida: Como a Universidade de Berkeley reagiu à proposta do curso?
Preya & Deborah: Enquanto procurávamos por uma instituição para patrocinar nosso curso, inicialmente encontramos dificuldades. Entretanto, John F. Hotchkis, Professor de Inglês na Berkeley; e Lyn Hejinian, da Academia de Poetas Americanos, gentilmente nos apoiaram em resposta. Nós (Deborah e Preya) fomos extremamente sortudas de receber orientação da Lyn, que nos colocou em contato com um graduando chamado Jared Robinson. Tanto a Lyn quanto o Jared nos deram a confiança necessária para apresentar nosso curso ao Departamento de Inglês da UC Berkeley. Duas semanas depois, ele foi aprovado.
H: Quando e como vocês descobriram que a música e a carreira de Frank poderiam se tornar um assunto educacional?
P &D: Nós fomos aleatoriamente colocadas como colegas de quarto durante o nosso primeiro período na Berkeley. Rapidamente, nos conectamos através do nosso amor compartilhado pela música e pela arte de Frank Ocean. Quando descobrimos que a Berkeley aceita cursos ensinados pelos próprios alunos, imediatamente vimos o potencial que a arte de Frank oferece. Nós nos unimos como estudantes de Música (Deborah) e de Inglês (Preya) para criar um curso que vai analisar a musicalidade e o lirismo da produção de Frank Ocean — ambos são incrivelmente acadêmicos — já que suas letras são cheias de simbolismo, alusões e muito mais, o que por sua vez é refletido na instrumentação de suas músicas. Além disso, seu impacto cultural permite um estudo pelo ponto de vista social. Todas essas combinações geram um curso rigorosamente acadêmico, que estamos bem animadas de ensinar no próximo semestre!
A visão de Frank sobre sexualidade tem uma influência positiva numa sociedade centrada na masculinidade
H: Como vocês acham que a abordagem de Frank sobre sexualidade e gênero pode influenciar de maneira positiva em uma sociedade centrada no ideal do masculino, especialmente considerando o papel específico que as pessoas normalmente esperam de um homem negro e queer?
P&D: Nós queríamos que nosso curso fosse o mais compreensível que ele pudesse ser. Por conta disso, sabíamos que não poderíamos focar apenas na musicalidade de Frank, mas também quisemos dar atenção à significância de seu impacto na sociedade. Mais especificamente, através de discussões sobre sua carta aberta e a forma com que ele se assumiu como um homem negro na arena do R&B e do hip-hop — um gênero enraizado com homofobia. A visão de Frank sobre sexualidade tem uma influência positiva numa sociedade centrada na masculinidade, porque ele desafia essas normas hipermasculinas presentes na comunidade negra. Sua voz serve como uma representação para outros que podem não ser aceitos como são. Apesar de sua carta ter servido como um momento de reafirmação monumental, ele continuamente desafia os limites tradicionais de sexualidade, sexo e gênero em suas músicas, nos lembrando de que, no fim, somos todos apenas humanos – algo bastante necessário no nosso atual clima social e político.
H: Na sua opinião, quem vocês acham que se beneficiaria com o curso? Ou quem é mais provável de atendê-lo?
P&D: Apesar de os alunos da Universidade de Berkeley serem mais prováveis de atenderem o curso (já que os créditos acadêmicos só funcionam para eles), nós teremos dias selecionados para quem quiser se candidatar na Bay Area e estamos considerando disponibilizar o nosso material online. Nós esperamos gerar um entendimento maior para aqueles que não sejam necessariamente fãs de Frank Ocean. Queremos provar isso para aqueles que não consideram sua arte digna de análise do ponto de vista acadêmico. Esperamos que a maioria de nossas inscrições venham daqueles que são fãs ávidos, o que é bom porque também pretendemos aprender mais sobre Frank e estamos abertas a outras interpretações de sua arte. Entretanto, nossa aula está disponível para qualquer pessoa que tenha uma mente aberta e esteja interessada em aprender as formas como arte e conhecimento acadêmico podem ser relacionados. Esperamos ter uma classe diversa de pessoas, que variem de conhecedores do Frank Ocean a quem simplesmente deseja criar uma comunidade segura e receptiva.