Entre medidas provisórias, decretos e cargos comissionados, os primeiros 15 dias da “nova era” de Jair Bolsonaro como presidente deu ao Brasil uma prévia de como todos os direitos e avanços conquistados até aqui são frágeis frente ao autoritarismo do novo governo. E, como era de se esperar, a comunidade LGBT também tem sido alvo do desmonte sobre os direitos humanos, como sinalizou hoje a Human Rights Watch.

Em seu relatório anual, a ONG que monitora a defesa dos direitos humanos no mundo colocou Bolsonaro no mesmo patamar que ditadores e líderes autoritários como Abdel Fattah Saeed Hussein Khalil as-Sisi, presidente militar do Egito; Recep Tayyip Erdoğan, ditador da Turquia; e Vladimir Putin, na Rússia. É importante notarmos que todos os países citados mantêm leis extremas de perseguição e combate à comunidade LGBT.

Ainda na semana passada, o próprio Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA condenou a aproximação de Mike Pompeo, secretário de estado, com o atual presidente do Brasil. Dentre os motivos que foram levantados em uma carta oficial, está a preocupação com as declarações de Bolsonaro e a forma com que ele repudia os direitos humanos, em especial no que diz respeito às comunidades LGBT, indígena e afro-brasileira.

Abaixo, nós listamos cinco decisões tomadas pelo governo de Bolsonaro que alertam para o início de uma perseguição institucional contra LGBTs brasileiros, desde cargos estratégicos ao desmonte de políticas públicas. Confira:

“Menino veste azul e menina veste rosa”

Logo no primeiro dia do ano, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, soltou o infame anúncio da “nova era”, onde “menino veste azul e menina veste rosa”. Mais tarde, ela se retratou e disse que a frase foi uma metáfora para combater a “ideologia de gênero” – termo guarda-chuva para designar algo que, na prática, não existe e é usado para perseguir LGBTs.

Retirada da cartilha de saúde para o homen trans

Sob o pretexto de que o material precisava ter um erro corrigido seis meses após o seu lançamento, o Ministério da Saúde retirou do ar uma cartilha direcionada à saúde sexual de homens trans. O motivo alegado é que o “pump”, usado para aumentar o clitóris, poderia oferecer riscos à saúde. Responsável pela pasta, o ministro Luiz Henrique Mandetta, ainda não comentou sobre o assunto, mas, em pronunciamento oficial, fez questão de afirmar que seu compromisso é com a família e com a fé. Com 49 páginas e dicas de prevenção contra infecções sexualmente transmissíveis, a cartilha acabou sendo distribuída online por organizações civis, como a Rede Trans Brasil.

Cartilha "Homens Trans: vamos falar sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis" foi retirada do Ministério da Saúde no segundo dia da gestão Bolsonaro (Foto: Reprodução)
Cartilha “Homens Trans: vamos falar sobre prevenção de infecções sexualmente transmissíveis” foi retirada do Ministério da Saúde no segundo dia da gestão Bolsonaro (Foto: Reprodução)

Desmonte da Secretaria de Diversidade no MEC

Responsável por “orientar políticas públicas educacionais que articulem a diversidade humana e social aos processos educacionais”, a Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) foi extinta do Ministério da Educação no segundo dia da gestão. A ideia veio do “pensador” Olavo de Carvalho e acatada pelo novo Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, que irá criar em seu lugar uma subpasta de “Modalidades Especializadas”. Em seu Twitter, Bolsonaro afirmou que a decisão difere da dos governos anteriores, que “investiam na formação de mentes escravas das ideias de dominação socialista”. De acordo com apuração do jornal Folha de S. Paulo, a medida foi uma forma de “eliminar as temáticas de direitos humanos, de educação étnico-racial e a própria palavra diversidade”.

Ricardo Vélez Rodríguez, Ministro da Educação, aprova o fim da Secadi, criada em 2004 (Foto: Marcello Casal JR. | Agência Brasil | Divulgação)
Ricardo Vélez Rodríguez, Ministro da Educação, aprova o fim da Secadi, criada em 2004 (Foto: Marcello Casal JR. | Agência Brasil | Divulgação)

A exoneração de Adele Benzaken

Diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, HIV/Aids e Hepatites Virais, Adele Benzaken assumiu o cargo em 2016 e foi a responsável por transformar o Brasil em país pioneiro no combate ao HIV, sendo o primeiro da América Latina a disponibilizar a PrEP (profilaxia de pré-exposição) pelo SUS. Também foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento da cartilha para saúde do homem trans, citada acima. No último dia 10, ela foi exonerada do cargo. Sua permanência na Secretaria já era questionada desde que Mandetta mostrou descontentamento com as políticas de prevenção adotadas e disse que o Ministério investiria em ações que não “ofendessem” as famílias. Na nossa primeira edição, nós fizemos uma matéria especial sobre os efeitos positivos que a chegada do antirretroviral teria na luta contra a epidemia da AIDS, que você pode conferir aqui.

Exonerada no último dia 10, Adele Benzaken foi responsável por políticas de prevenção ao HIV como a oferta do PrEP pelo SUS e a cartilha de saúde do homem trans (Foto: Elza Fiuza | Agência Brasil)
Exonerada no último dia 10, Adele Benzaken foi responsável por políticas de prevenção ao HIV como a oferta do PrEP pelo SUS e a cartilha de saúde do homem trans (Foto: Elza Fiuza | Agência Brasil)

A exoneração de Maria Inês Fini

Presidente do Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pelo ENEM, Maria Inês Fini atraiu a atenção da atual gestão já em novembro do ano passado, quando rebateu as críticas do presidente recém-eleito. Maria Inês defendeu a abordagem de questões sobre diversidade e gênero (como o pajubá) no exame nacional, alegando que “o Governo não manda” na prova. À época, Bolsonaro havia declarado que “este tema da linguagem particular daquelas pessoas (sic), o que temos a ver com isso, meu Deus do céu?”, afirmando ainda que ele leria pessoalmente as questões da prova de 2019. Confirmando ainda mais a perseguição, o Presidente deixou claro que a exoneração foi motivada pela declaração de Maria Inês, ao postar as manchetes abaixo em seu Instagram. O atual responsável pelo ENEM é Murilo Resende Ferreira, ex-membro do MBL – Movimento Brasil Livre, que foi expulso do grupo por ser “lunático, conspiratório e fora da realidade”, de acordo com um dos atuais líderes.

Bolsonaro zomba de declaração feita por Maria Inês Fini sobre o ENEM após exonerá-la do Inep (Foto: Reprodução)
Bolsonaro zomba de declaração feita por Maria Inês Fini sobre o ENEM após exonerá-la do Inep (Foto: Reprodução)