Na noite desta segunda-feira (5), a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) recebeu no Auditório Teotônio Vilela uma audiência pública organizada pela deputada Érica Malunguinho (PSOL) para discutir a presença de atletas transexuais no esporte. A reunião teve como ponto de partida o projeto de lei 346/2019, proposto pelo parlamentar Altair Moraes (PRB), que visa proibir o acesso dessa população às competições profissionais.

“Essa não é uma questão apenas sobre transgêneros ou sobre negres, como muitos gostam de acreditar. É uma questão da sociedade”, afirmou Malunguinho, ao iniciar a sessão. O texto da PL citado por ela e tema da audiência estabelece o “sexo biológico como o único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no estado de São Paulo”, e já foi replicado tanto no Rio de Janeiro e em âmbito nacional.

À mesa, sentaram-se também a jogadora de vôlei Tifanny Abreu, do Sesi Bauru; a deputada Érika Hilton, da Bancada Ativista (PSOL-SP); Gustavo Uchôa, treinador e pai da patinadora mirim Maria Joaquina; a ativista e jogadora de vôlei, Danielle Nunes; o professor de educação física, Leonardo Peçanha; e o coordenador do Núcleo Trans da Unifesp, Magnus R. Dias da Silva.

Érika Hilton e Danielle Nunes durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)
Érika Hilton e Danielle Nunes durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)

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O texto do projeto de lei, além de restringir o acesso de atletas trans ao esporte, ainda estabelece multa de 50 salários mínimos ao clube que não cumprir a lei. “Não há legitimidade científica e teórica para a sustentação desse projeto. Há um pensamento cristão e transfóbico, que é a ótica deles”, afirmou Hilton, em entrevista à Híbrida, referindo-se à bancada evangélica, que tem apoiado a aprovação da PL.

Biologia x Preconceito

Durante a audiência, também estavam presentes membros da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-SP, a modelo Lea T e representantes dos coletivos Mães Pela Diversidade, A Revolta da Lâmpada e SexBox. Tifanny Abreu, um dos principais nomes desse debate no Brasil, contou que se sentiu horrorizada durante a sessão que discutiu na Câmara dos Deputados três projetos similares no último dia 25, em Brasília. “Estou aqui, na Casa do Povo, para lutar pela minha permanência [no esporte] e pela permanências das outras [atletas trans] que estão vindo”, afirmou a jogadora.

Lea T e Tifanny Abreu durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)
Lea T e Tifanny Abreu durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)

Escalada em 2017 para o time do Sesi Bauru, Abreu tem sido vítima de uma caçada às bruxas por membros da bancada evangélica no congresso e pela ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel, que tem usado suas redes sociais para atacar a legitimidade da atleta.

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“A minha diferença para as outras jogadoras é que elas jogam tranquilas. Eu tenho uma pressão gigantesca sobre os meus ombros. (…) Não estou aqui para tirar o lugar de ninguém”, afirmou Tiffany, que tem se mantido dentro dos padrões hormonais estabelecidos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) desde que entrou para a liga feminina.

Tifanny Abreu durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)
Tifanny Abreu durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)

Um dos pontos principais abordados ao longo da audiência foi a falta de embasamento científico para sustentar o projeto de lei. “É preciso levar em consideração as regras do COI e as mudanças corporais que pessoas trans sofrem com os hormônios”, afirmou Leonardo Peçanha, profissional de educação física.

Outra questão que não está prevista no projeto de lei é o acesso de crianças trans ao esporte, como é o caso da patinadora Maria Joaquina. Aos 11 anos, ela foi proibida pelo Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação (CBHP) e pela Confederação Sul-Americana de Patinação (CSP), no início deste ano, de competir nos torneios dessas entidades. Após recorrer judicialmente contra a decisão, Gustavo Uchôa conseguiu a permissão para que a filha participasse do Campeonato Brasileiro.

“Eles alegam que, mesmo a Maria na infância e não tendo nenhuma ação ou vantagem hormonal, ela só seria ‘boa’ porque, biologicamente é um menino, e não porque ela treina e se dedica ao esporte. Ela não é vista como um ser humano e sim um menino-máquina feito para acabar com as meninas”, explicou Uchôa à Híbrida.

Gyustavo Uchôa durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)
Gyustavo Uchôa durante audiência pública na Alesp para discutir a presença de atletas trans no esporte (Foto: João Ker | Revista Híbrida)

A PL ainda será votada na Alesp, mas até lá a bancada do PSOL já pretende incluir uma emenda aglutinativa com estudos feitos pelos endocrinologistas da Unifesp que refutam a tese proposta pelo deputado Moraes. “Vamos mostrar o quão discriminatório, preconceituoso e transfóbico é esse projeto e que ele se trata exclusivamente de uma nova forma de excluir mulheres transvestigêneres”, afirmou Hilton.

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