Na coluna de novembro com os principais lançamentos musicais de artistas nacionais e internacionais LGBTQIA+, Fabiano Moreira* comenta os novos álbuns de Gloria Groove, Day Limns e Mimosa; e os singles quentinhos de bluebagbang com Marcio Lugó, Trajano, Pedro Sampaio, Dua Lipa, Rohma, Grimes com Sevdaliza e Caio Prado.

Abaixo, confira a seleção. E não deixe de seguir a nossa playlist para não perder os próximos lançamentos.

Gloria Groove – “Futuro Fluxo”

Gloria Groove mostra o seu poder vocal – uma das poucas que segura o ao vivo sem gritaria – em Futuro Fluxo, seu novo álbum, uma celebração do ritmo que a consagrou, o funk. A fantasia é apresentar como seria o funk em um futuro cibernético. Além de Anitta e Valesca Popozuda em “Proibidona”, o álbum traz Ludmilla, em “DaBraba”; Thiago Pantaleão, em “Raio laser”; e Silvetty Montilla, em “Aquecimento Silvetty”. A era começou meio caída, com “Bruxaria 3000”, mas a drag não decepcionou no álbum, que mistura o funk de Rio, São Paulo, Belo Horizonte e o bregafunk. Amo “Ao som do Tuim, derivação do latim tinnitus, que significa zumbir, expressão usada para representar a experiência de alucinação auditiva provocada no uso de lança-perfume. “Vai tomar tapão.”

Day Limns – “Vênus≠netuno”

Vênus≠netuno é o segundo álbum da roqueira-pop-prodígio Day Limns, no qual ela nos mostra o seu talento vocal e também a maturidade de suas composições, que assina em parcerias com Los brasileros, Carol Biazin, Jenni Mosello e Vitão, dentre outros. Para a artista, o disco representa  exorcismo de sentimentos que a devoravam, como o da “culpa de nunca ser o suficiente”, que ela foi ensinada em sua vivência na igreja. A aura e o visual são pop, mas a alma, essa é roqueira, como a que aponta o “Meu dedo do meio pra você”, em “Kálice”. A sexualidade aparece em momentos como “tirando a tua calcinha”, em “Vermelho Farol”; e “Minha religião, te ver pelada na minha frente”, em “Minha religião”. A produção é de DMAX e Isadora Sartor.

cabezadenego, Mbé e Leyblack Beats – “Mimos”

“Eu quero saber se tu taca. Taca prep em dia? Bota tudo no meu cu, só se for sem camisinha”, canta cabezadenego em “Taca”, o lead single do álbum Mimosa, gravado com Mbé e Leyblack Beats. “Na onda da Prep, só não vale passar cheque”, ironiza, ainda na faixa. Vale lembrar que a Prep protege contra o HIV, mas não outras doenças relacionadas ao sexo, como avisa uma nota ao final da track. “Zaragoza delícias”, brincam, em referência ao local onde o álbum foi criado, no  Laboratório de sonido LIA en Etopia Centro de Arte e Tecnología, no bairro Delícias, em Zaragoza, na Espanha. Em “Quinta”, “quem manda é o cu”, que atrapalha qualquer poesia. “Eu queria falar de amor, mas o cu não para de piscar”, no baile charme que explode na faixa. O disco-manifesto, com viés antropológico, foi criado em residência artística na Espanha e fala sobre a potência dos ritmos afro brasileiros: do terreiro ao samba, passando pelo hip hop, drum’n’ bass e pelas diversas vertentes do funk. A partir da criminalização do funk, os artistas se debruçaram sobre a opressão histórica às manifestações artísticas afro-descendentes no Brasil. O samba, por exemplo, foi tratado como sinônimo de vadiagem até o governo de Getúlio Vargas. O lançamento é do selo QTV e da yb music. Cabezadenego é Luiz Felipe Lucas, irmão da cantora Nega Lucas, que é de Juiz de Fora, persona que sintetiza a pesquisa. Estampado na capa do disco, cabezadenego é brincalhão, transgressor e desafia estereótipos. Criado inicialmente para manifestações de rua com sua tanga, pintura facial e camisa amarrada à cabeça, ele foi pensado para colocar uma lupa nos estereótipos que o corpo carrega, seja o da bicha preta ou o do homem negro, relacionadas com o medo e com o desejo. 

bluebagbang e Marcio Lugó – “Bruto Amor”

Eu já tinha fechado a seleção de novembro quando chegou aqui “essa delicadeza, a coisa mais querida” que é o clipe com carinha vintage de “Bruto amor”, de bluebagbang – projeto fundado pela paulista Marina Hungria – em parceria com Márcio Lugó. Um “amor vinil em lado B”, “bruto amor não comercial”, gravado “em fita” – os jovens não entendem essa, mas a gente gravava seleções musicais em fita k7 para os crushes (a origem da minha natureza playlisteira). O videoclipe foi criado a partir de imagens de filmes em domínio público que retratam casais LGBTQIA+, com edição de Marina Hungria, que subverte Boys Beware, curta-metragem de 1961 criado com o intuito de ser uma propaganda anti-gay. A inspiração da canção veio de uma dedicatória publicada no site Eu te dedico, que dizia: “Quando duas almas brutas, canalhas, despudoradas, cínicas e incendiárias (somos conscientes de que é isso que somos mesmo) se encontram, inacreditavelmente, surge também o amor”. “O amor não é só delicadezas, ele tem um lado B, mais heavy e dark, autêntico, não comercial, como os vinis. E esse B-side é sempre o melhor do vinil. Somos o lado B do amor”, comenta Marina. 

Trajano – “Bem Bolado”

Homem negro, gay e periférico, de Jardim Fontalis, São Paulo, o cantor, compositor e produtor cultural Trajano acaba de lançar “Bem Bolado”, que anucia uma nova era dentro de sua produção, marcada pelo EP É sobre isso (2022), que legitimou as perspectivas das minorias e enfatizou a importância da diversidade nos discursos artísticos. O single anuncia novo EP, que está vindo aí pela Fervo/yb music, com influências de blues, R&B e rap, gritando Djavan. O visualizer divertido é dirigido pelo próprio artista, com bom visual de moda e makes. Trajano é defensor da pluralidade e da representação das minorias em suas músicas, utilizando sua arte como uma plataforma para destacar questões importantes e, muitas vezes, negligenciadas, como o machismo nas ruas, presente na vida das mulheres. “Pode cruzar a esquina, que o moço do ponto sou eu, deixa eu cruzar tua sina”, diz a letra.

Pedro Sampaio – “Sequência Revolucionária”

Pedro Sampaio está claramente mais feliz e luminoso desde que assumiu relacionamento com seu namorado. Deu uma boa humanizada. Preparando o caminho para seu álbum de estreia, com as bênçãos de Lulu Santos, ele lançou o single “Sequência Revolucionária”, com MC GW. A faixa ganhou um clipe histérico e agitado, com vibrantes dançarinos que criam até efeitos ópticos com suas coreografias, parte da estratégia TikTok que assola o mercado e fisgou até Duda Beat, em “Saudade de você”. A música segue o movimento de trazer elementos eletrônicos para as batidas de funk, como Anitta, em Funk Generation: a favela love story. Aqui, a referência é o phonk, subgênero do hip hop e do trap inspirado diretamente no Memphis rap dos anos 1990. Na faixa, o artista mudou também a sua tag de Pe-dro-Sam-Pa-io para Peeeedro Sampaio. Ele também lançou clipe com Deborah Secco para “Pocpoc”. Mas que pegada essa aqui, hein? Implicância oficialmente retirada.

Dua Lipa – “Houdini”

“Houdini” dá início ao fio narrativo que percorre o próximo projeto da artista Dua Lipa, após o sucesso do álbum Future Nostalgia. “A canção incorpora aquela sensação das 4h da manhã, quando a noite está chegando ao fim, e você está um pouco suado, mas simplesmente não quer que a festa acabe”, conta a cantora. O clipe, dirigido por Manu Cossu, mostra a cantora após o ensaio em um salão de dança. As luzes refletem nos espelhos da sala, criando uma ilusão de ótica à medida que a energia começa a aumentar. “Esta faixa representa as partes mais leves e libertadoras da minha solteirice”, afirma Dua, que teve as colaborações de Danny L. Harle e Kevin Parker, do Tame Impala, como produtores.

Rohma – “Eu só queria aprender a amar”

Artista italiano que escolheu o Brasil como casa, o professor de língua italiana, linguística e tradução na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Sergio Romanelli, 53 anos, e também cantor e compositor Rohma, lançou clipe para “Eu só queria aprender a  amar”, com direção de Bruno Ropelato e imagens acrobáticas do atleta Henry Delmondes gravadas na Gym-X, em Florianópolis (SC), onde vive. Como Rita Lee em “Barriga da mamãe”, ele volta a um útero metafórico, no primeiro clipe no mundo real, após alguns vídeos no Metaverso, como “KOBRA”, com nossa amiga em comum Letrux, que foi finalista na categoria Inovação do Music Video Festival (m-v-f-). A faixa faz parte do  álbum @rroboboy, produzido pelos craques Jonas Sá e Thiago Nassif, que eu destaquei como um dos dez álbuns de 2022 aqui. Bati um papo com ele para a Sexta Sei, no Baixo Centro, no qual ele fala, carinhosamente, sobre o conceito de liberdade que aprendeu no Brasil. “Não precisa se preocupar com regras, normas, se está seguindo o fluxo dos outros ou não, se jogue nesse Carnaval que é a vida, viva conforme suas regras e dance até tudo acabar”, ensina. Ele também aproveita o papo para se afirmar com um artista independente e autônomo que não está nem aí pro algoritmo. “Se não tiver números, sinceramente, foda-se, estou preocupado sempre em produzir arte de qualidade que possa permanecer.”

Grimes e Sevdaliza – “Nothing Lasts Forever”

A artista iraniana-holandesa de pop experimental Sevdaliza lançou colaboração com a canadense Grimes, outro nome do pop experimental. A canção, a pop rave “Nothing Lasts Forever”, antecipa o terceiro álbum de Sevdaliza com batidas eletrônicas intensas, sintetizadores eufóricos e vocais processados ao extremo. A música fala sobre aproveitar a vida e reconhecer que nada dura para sempre. Hedonismo com bastante academia, whey e body building. A produção é da própria Sevdaliza e 22ghosts.

Caio Prado“Epahey Oyá” e “Vai Rezando”

Caio Prado iniciou nova fase na carreira, no ano passado, ao assinar com a gravadora carioca Deck. Esse ano, ele lançou dois singles que marcam a nova era, com muito hedonismo e orgulho. Nessa nova etapa, ele abre mais espaço para falar de temas como amor, sexo, praia, futebol e outros assuntos de seu universo. Segundo single do novo álbum, “Epahey Oyá” foi lançada em celebração ao Dia da Consciência Negra, uma saudação às Yabás, orixás femininas da cultura das religiões de matrizes afro-brasileiras, com participações de Rita Benneditto, Isabel Fillardis, Áurea Martins, Deize Tigrona, sua mãe e sua avó no clipe gravado em Realengo, seu bairro de origem, na zona oeste do Rio. O ritmo faz referências a Gilberto Gil e Jorge Benjor, e a letra traz a exaltação à cultura afro-brasileira. O primeiro single, “Vai Rezando”, tem clima praiano e um Caio mais pop, solar e alegre, de tanga. “Essa é uma música bem Rio de Janeiro, que traz como tema a sensualidade, o calor, a liberdade de amar quem você quiser e a autoestima”, comenta. A capa do single faz referência à capa do álbum Índia, de Gal Costa.

Isabella Taviani – Dois babies e uma casa de campo” 

Comemorando 20 anos de carreira com o show Isabella Taviani: Voz e Violão, a cantora e compositora carioca Isabella Taviani lançou o single “Dois babies e uma casa de campo”, falando de um amor maduro e bem vivido, refletindo a vivência da cantora com sua família. O lançamento coincide com as tentativas políticas de cerceamento ao direito ao casamento civil para a população LGBTQIAPN+. “Sendo bem honesta, acredito no amor. Mesmo. Acredito, de verdade, que a força de um amor é capaz de romper barreiras de tempo, gênero, idade, classe social, política, e criar conexões indestrutíveis”, reforça Isabella, casada com a também cantora e médica Myllena Varginha. “Quando nos conhecemos, ela desejava muito ter filhos, mas eu nunca tinha pensado nisso. Através do nosso encontro, este desejo se fez presente em mim também”, revela a mãe dos gêmeos Estevão e Ignácio, de quatro anos, família que está na capa do single.

Moreira e a redação também estão ouvindo:


*Fabiano Moreira é jornalista desde 1997 e já passou pelas redações de O GloboTribuna de MinasMix BrasilRG e Baixo Centro, além de ter produzido a festa Bootie Rio. Atualmente, é colunista da Sexta Sei.