A boxeadora argelina Imane Khelif acionou o Ministério Público da França para investigar denúncias de assédio virtual nas redes sociais durante as Olimpíadas de Paris 2024 por, supostamente, ser uma mulher trans.

De acordo com a Variety, personalidades como a escritora J.K. Rowling e o bilionário Elon Musk foram citados no processo. A informação foi confirmada pelo advogado da atleta, Nabil Boudi, que também não descartou a possibilidade da inclusão do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump dentre os indiciados.

“Trump twittou, então mesmo que o nome dele apareça ou não no processo, será inevitavelmente investigado como parte da acusação”, disse.

Khelif venceu a medalha de ouro na categoria até 66kg do boxe feminino. Antes, porém, a atleta virou o principal assunto da extrema direita e de seus simpatizantes nas redes sociais.

Por que Imane Khelif foi atacada?

Em 2023, Imane foi desclassificada da final do Mundial Feminino de Boxe pela Federação Internacional de Boxe (IBA) sob a alegação de que “não cumpria os critérios de elegibilidade necessários” para competir entre mulheres e não passou em um “teste de gênero” cujas especificações não foram publicamente detalhadas pela entidade.

Apesar da negativa da IBA, o Comitê Olímpico Internacional (COI), que segue regras diferentes, julgou que a presença da argelina seria permitida na edição de Paris 2024 (ela também havia competido em Tóquio 2020).

A desavença entre a IBA e o COI só tomou grandes proporções quando a italiana Angela Carini, na disputa classificatória destas Olimpíadas, abandonou a luta contra Imane Khelif logo no início do primeiro round. Mais tarde, ela esclareceu que a razão da desistência foi em função de uma dor no nariz, e não um boicote à oponente.

A justificativa não adiantou: nas redes sociais, pipocaram publicações sugerindo que a argelina de 25 anos era uma mulher transexual.

A luta entre Imane Khelif e a italiana Angela Carini tomou as redes (Foto: Twitter/Reprodução)
A luta entre Imane Khelif e a italiana Angela Carini tomou as redes (Foto: Twitter/Reprodução)

As fake news reacenderam a discussão sobre a presença de pessoas trans no esporte, o que deu gás à ala mais conservadora para atacar não só a atleta, que se identifica como mulher cis, mas também toda a comunidade transgênero.

“O sorriso de um homem que sabe que está protegido por uma instituição esportiva misógina, desfrutando o sofrimento de uma mulher que ele acabou de socar na cabeça e cuja ambição de vida ele acabou de destruir”, publicou Rowling no X/Twitter, com uma foto da luta entre Khelif e Carini. Esta não é a primeira vez que a autora é acusada de transfobia.

A discussão veio parar no Brasil. O senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) escreveu numa postagem já editada, que dizia: “Ninguém deve ser discriminado por sua opção sexual, mas precisa ter competição justa para as mulheres. Colocar alguém que mudou de sexo para competir no boxe olímpico com uma mulher não é fair game”.

Por outro lado, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) também se manifestou, escancarando o viés misógino e transfóbico dos ataques cooptados pela ala mais radical do espectro político. “A extrema-direita brasileira já admitiu abertamente nos últimos meses que, pra eles, a mulher que não gesta e não produz filhos não é mulher, sejam elas cis ou trans. Essa categoria de mulher deles não é uma categoria de legitimação, é uma categoria de opressão: Se for mulher, sua obrigação é ter filhos, mesmo se for estuprada. E se tentar abortar, será presa por mais tempo do que quem a estuprou”, twittou.

O processo de Imane Khelif 

Após vencer o ouro em Paris, a boxeadora desabafou à imprensa sobre os ataques que recebeu. “Estou plenamente qualificada para participar desta competição. Sou uma mulher como qualquer outra. Nasci mulher, vivi como mulher, competi como mulher, não há dúvida sobre isso. [Os detratores] são inimigos do sucesso, é assim que os chamo. E isso também dá um sabor especial ao meu sucesso por causa desses ataques”, comentou.

No mesmo final de semana, ela protocolou a denúncia de cyberbullying à Justiça francesa. “A boxeadora Imane Khelif, que acaba de ganhar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, decidiu travar um novo combate: o da justiça, dignidade e honra”, declarou o advogado Boudi nas redes sociais.

JK Rowling e Elon Musk serão investigados na ação proposta por Imane Khelif ao MP francês (Foto: Reprodução)
JK Rowling e Elon Musk serão investigados na ação proposta por Imane Khelif ao MP francês (Foto: Reprodução)

Ele também afirmou que, além das personalidades midiáticas indiciadas, a investigação irá rastrear pessoas anônimas já que a ação foi movida contra a rede X/Twitter. Isso “garante que a acusação tenha toda a liberdade para investigar todas as pessoas”, incluindo as que possam ter escrito mensagens odiosas sob pseudônimos.

O Ministério Público francês encarregou o serviço nacional de combate aos discursos de ódio online de realizar a investigação.