O primeiro semestre do ano no calendário cinematográfico significa a conclusão da temporada de premiações e o início dos grandes festivais, com destaque para aquele que talvez seja o mais reconhecido. Iniciado nesta segunda (07) e em sua 71ª edição, o Festival de Cannes deste ano promete cumprir algumas das expectativas pelas semanas a seguir, com surpresas interessantes na corrida para seu prêmio máximo, a Palma de Ouro, e alguns dados já comuns e não muito animadores.
Liderado pela australiana Cate Blanchett, o painel do júri, constantemente heterogêneo e curioso por seus integrantes, conta ainda com a presença de Kristen Stewart, Léa Seydoux, Khadja Khadja Nin, Ava DuVernay, Denis Villeneuve, Robert Guédiguian, Andrey Zvyagintsev e o ator Chang Chen. A imagem que repercute, inicialmente, é a de que as mulheres, desta vez, estão no comando – e, de fato, elas são maioria em relação aos homens. No entanto, a dura realidade é de que ainda há um déficit muito grande a ser consertado quanto à competição.
Dos 21 diretores concorrentes por suas obras, somente três são mulheres – sendo este o maior número de diretoras presentes desde 2011 na premiação. Os dados impressionam, embora não sejam exatamente chocantes e ignoram a esperança de uma possível melhora na representatividade, algo que teria começado ainda na última edição, quando Sofia Coppola se tornou a segunda mulher a vencer na categoria de Direção, por “O Estranho que Nós Amamos“. Na ocasião, Jessica Chastain, então presente no painel do júri, fez questão de criticar com desapontamento a maneira como as mulheres foram retratadas nos filmes participantes. Vale lembrar que, desde Yuliya Solntseva, em 1961, que uma diretora não levava o prêmio.
Há também o retorno problemático de Lars Von Trier. Barrado no evento desde 2011, quando exibiu “Melancolia“ e conseguiu o prêmio de Atriz para Kirsten Dunst, o diretor era persona non grata graças aos comentários pró-nazismo que proferiu numa conferência pra lá de vergonhosa com a imprensa. Além disso, o dinamarquês conseguiu se manter nos holofotes ao longo do último ano pelos piores motivos possíveis: ele foi apontado como o principal alvo do relato de Björk sobre abusos de poder num set de filmagem em que a cantora havia participado (o raciocínio lógico é de que ela se referia a “Dançando no Escuro“, dirigido por Von Trier).
Todas essas escolhas duvidosas contrastam com o atual período da indústria cinematográfica. Ou melhor: com o desejo e a divulgação do atual período da indústria cinematográfica, ancorada – mesmo que às vezes pareça ser por pura estratégia de marketing – nos movimentos #MeToo e Time’s Up após o escândalo iniciado com as histórias de Harvey Weinstein. Entretanto, apesar das diversas incongruências e para fazer o mínimo da sua parte, o festival decidiu ser combativo de outra maneira quanto a este assunto, criando um disque-denúncia para vítimas de assédio.
E, apesar das chateações citadas, desta vez e sob outro prisma, felizmente Cannes parece estar mais interessado em abrir caminhos para novos cineastas do que rechear a Riviera Francesa com os nomes já reconhecidos de sempre. Mesmo com o retorno de Von Trier, Jean Luc-Godard, Spike Lee e Nuri Bilge Ceylan, célebres na cerimônia, o line-up de 2018 é repleto de diretores inéditos na premiação, o que para o diretor do evento, Thierry Frémaux, indica a “renovação de uma geração”. Estão entre eles, nomes como Ryusuke Hamaguchi, Eva Husson, Yann Gonzalez e Abu Bakr Shawky, com seu primeiro filme de ficção.
Fora da competição, mas ainda assim garantido, há também a presença brasileira com “O Grande Circo Místico”. Lançado em 2016 sob a direção de Cacá Diegues, o longa é estrelado por Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Jesuíta Barbosa e Mariana Ximenes, e tem sua exibição marcada para uma sessão especial, como forma de homenagem a Diegues, figurinha já carimbada do festival e um dos principais nomes do audiovisual brasileiro.