Veio aí! Após semanas de especulações e debates acalorados nas redes sociais, a Amazon Prime anunciou nesta quarta-feira, 6, que Xuxa Meneghel vai apresentar o novo programa “Caravana das Drags”, ao lado de Ikaro Kadoshi. Ainda sem previsão de estreia, o reality show traz um novo formato em que a competição pelo título de “Drag Suprema” vai seguir queens a bordo de um “ônibus extravagantemente decorado” por todo o Brasil.

Cada desafio do reality será inspirado na tradição cultural das cidades por onde o ônibus passar. Além das duas apresentadoras, o time de jurados também terá convidados especiais que representam a cultura local de cada uma das paradas. Ao final de cada episódio, uma participante será eliminada.

Xuxa e Ikaro Kadoshi serão as apresentadoras oficiais de "Caravana das Drags", reality show de competição original da Amazon Prime (Foto: Divulgação)
Xuxa e Ikaro Kadoshi serão as apresentadoras oficiais de “Caravana das Drags”, reality show de competição original da Amazon Prime (Foto: Divulgação)

O formato original do programa foi desenvolvido exclusivamente para a Amazon Prime por Tatiana Issa e Guto Barra, da Producing Partners e será exibido em 240 países. “Estamos empolgados com esta ideia incrível para um reality show que junta viagens e uma competição para celebrar a arte drag, tudo isso enquanto levamos o público para conhecer diversos locais do Brasil em grande estilo. Nos sentimos muito sortudos por ter Xuxa e Ikaro como apresentadoras e poder reunir drags de diversas cidades diferentes”, afirmou Malu Miranda, head de Conteúdo Original Brasileiro do Amazon Studios, em comunicado oficial.

Em suas redes sociais, as apresentadoras também já trataram de comemorar o anúncio. “Que honra fazer parte da família Amazon! Feliz demais”, postou Ikaro, que também apresenta o “Drag Me As a Queen”, no E! Entertainment. Já a Rainha dos Baixinhos fez questão de responder às críticas que recebeu antes mesmo de o programa ser confirmado: “Pra muitos que torceram… taí, vou me divertir muito. Pra muitos que torceram o nariz… taí, aviso que VOU ME DIVERTIR MUITO. Beijos a toda comunidade LGBTQIA+ e pra quem os respeitam. E beijinho beijinho tchau tchau aos preconceituosos”.

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Nas últimas semanas, o boato de que Xuxa seria a apresentadora oficial de uma suposta edição brasileira de “RuPaul’s Drag Race” ganhou força nas redes sociais, movimentando defensores e críticos igualmente ferrenhos sobre sua “legitimidade”, por assim dizer, à frente de um programa sobre drag queens. No centro da discussão, os principais argumentos a favor lembravam que a loira sempre defendeu e foi enaltecida por fãs LGBTI+, ao mesmo tempo em que, do outro lado da discussão, há quem acredite que o posto deveria ser dado a uma pessoa da própria comunidade.

O tema chegou a ser debatido em um dos episódios do Antena Híbrida (ouça abaixo), nosso podcast semanal, onde eu e Daniel Peixoto defendemos que Xuxa seria uma das melhores escolhas possíveis no cenário artístico brasileiro para essa tarefa. Mas, dada a confirmação de agora, o programa parece se aproximar mais de “Priscila, a Rainha do Deserto” (saiba aqui mais sobre o filme) que RPDR. Logo, vale pensarmos mais a fundo sobre qual o lugar que a cultura drag ocupa hoje, em 2021, no entretenimento global, e como podemos lutar para que ela continue expandindo suas fronteiras e mantendo seu legado de inclusão.

Antes, é preciso desassociar uma ideia errada que tem circulado como argumento nas redes e que associa de forma quase irresponsável a cultura drag como exclusiva ao ballroom. Enquanto esta começou a despontar na Nova York dos anos 1970 e se solidificou nas duas décadas seguintes através do voguing e das expressões corporais de personalidades majoritariamente negras, latinas e trans, criando no caminho o que conhecemos como as “drag mothers”, a outra é uma cultura milenar, que remonta às origens do próprio teatro na Grécia Antiga, quando homens interpretavam personagens femininos.

Mas a cultura drag evoluiu e se metamorfoseou ao longo do tempo. É bom ressaltar que a própria origem da palavra “drag” no contexto que a conhecemos hoje pode ter duas fontes, a depender de quem você perguntar: ela foi tanto o nome com que William Shakespeare, lá no século XVI, batizava os papeis femininos a serem interpretados por homens em suas peças, como também descrevia o barulho que artistas faziam ao arrastarem as caudas longas de seus vestidos nos bailes e peças (em inglês, o verbo “drag” significa “arrastar”).

O termo “queen” começou a ser associado a “drag” na cena das boates LGBTI+ do século XX, mas até chegar à sua definição atual essa cultura passou por inúmeras interpretações e contextos diferentes através do tempo, dos teatro da América do Norte aos da Ásia. A rigor, “drag queen” é como denominamos qualquer artista que apresente figurinos e maquiagens extravagantes para interpretar um personagem masculino ou feminino de forma estereotipada e exacerbada.

Drags já foram conhecidas como cross-dressers, a depender do contexto; no Brasil, personagens como as Divinas Divas, Miss Biá e Márcia Pantera se autodenominavam transformistas (veja aqui Pantera explicando como a comunidade daqui começou a usar o termo “drag”) ao longo do século XX; e, particularmente, tendo a acreditar que o Cercle Hermaphroditis da Nova York de 1900 emulavam uma espécie particular dessa arte com suas estéticas andróginas e performances burlescas e erotizadas.

Desde o início e até hoje, a arte drag também abraçou artistas mulheres que tanto podiam se apropriar de códigos masculinos (o que conhecemos como “drag king”) como exagerarem a estética entendida como feminina através de signos e personas extravagantes. Mais ainda, drag queens agora não estão mais limitadas aos palcos, mas têm encontrado outras formas de expandirem suas habilidades, seja explorando nichos da maquiagem, do humor, da música ou até da política.

Com tudo isso em mente, fica difícil se ater a um conceito de cultura drag que seja tão limitado e exclusivo que não abarque as milhares de montações e personagens que Xuxa exibiu na TV e no cinema ao longo das últimas décadas. Por mais que não seja uma pessoa declaradamente LGBTI+, a apresentadora sempre apoiou essa comunidade na TV aberta, com a leveza e o humor que lhe são característicos, numa época em que era muito mais fácil perder do que ganhar a simpatia do público por tal atitude. Inclusive, foi uma “drag mother” em um dos programas de maior audiência da Rede Globo.

A cultura drag é, sim, um lugar para homens gays, mas também é um espaço que sempre esteve aberto (ou pelo menos deveria estar, em teoria) para mulheres, trans ou cisgêneras, brancas ou negras, heterossexuais ou não. A cobrança por representatividade LGBTI+ é também, claro, legítima, mas como ficou óbvio e evidente pela sinopse que temos até agora, Xuxa não será o único nome à frente de “Caravana das Drags” e o que não deve faltar nos convidados do júri são nomes que representem não só a diversidade da nossa comunidade, mas também do nosso País.

O Brasil e a nossa comunidade são um arco-íris com muitas cores, e nessa paleta cabe a da Xuxa, sim. Como ela mesma cantou, “o que vale nessa vida é ser feliz”, então nos permitamos ser, até porque é para isso que se cria um reality show de drag queens andando de ônibus nesse País.