Um relatório divulgado nesta segunda-feira (3) pela Human Rights Watch aponta que desde 2016 o governo da Tanzânia tem perseguido a comunidade LGBTQ através de políticas específicas e até “abomináveis práticas médicas” classificadas como tortura. “As autoridades do país têm orquestrado um ataque sistemático contra os direitos de pessoas LGBTs, incluindo o direito à saúde”, afirma Neela Ghoshal, pesquisadora sênior da ONG internacional.

Batizado “Se não tivermos serviços morreremos: a perseguição anti-LGBT da Tanzânia e o direito à saúde”, o relatório de 112 páginas detalha como o governo do país ataca pessoas portadoras de HIV e força homens a passarem por uma inspeção anal como evidência de “conduta homossexual”. Centros de testagem, pesquisa e distribuições de remédios para Aids foram fechados arbitrariamente e a venda de lubrificantes foi proibida na região.

Paul Makonda, governador de Dar es Salaam, foi proibido de entrar nos EUA por suas violações contra os direitos humanos na Tanzânia (Foto: KHALFAN SAID HASSAN | AFP | Getty Images)
Paul Makonda, governador de Dar es Salaam, foi proibido de entrar nos EUA por suas violações contra os direitos humanos na Tanzânia (Foto: KHALFAN SAID HASSAN | AFP | Getty Images)

LEIA TAMBÉM —> “Mate os gays”: Uganda cria lei que determina pena de morte para LGBTs 

Em novembro de 2018, a Híbrida relatou que a Tanzânia poderia aplicar inspeções anais em cidadãos acusados de “conduta homossexual” e que o governador de Dar es Salaam, Paul Makonda, ordenou a prisão de todos os homens gays. À época, diplomatas e o Banco Mundial se opuseram a tais políticas e o presidente John Magufuli afirmou que elas não seriam implementadas. Entretanto, de acordo com a Human Rights Watch, elas se tornaram prática comum no país.

https://www.instagram.com/p/BpzheK_lb6W/

O relatório aponta ainda que, sob a lei colonial que proíbe “conhecimento carnal contra a ordem da natureza”, a prisão de LGBTs é frequente e, em muitas ocasiões, resulta em “exames anais compulsórios” como forma de colher “evidência” da conduta homossexual. “Esses exames não têm qualquer base científica e são uma forma de tratamento cruel, desumano e degradante que pode caracterizar tortura”, afirma a HRW.

LEIA TAMBÉM —> Na Rússia,site inspirado em “Jogos Mortais” para caça de LGBTs faz primeira vítima

Para o ministro da Saúde, que também ordenou o fechamento de centros voltados à defesa de direitos LGBTQ, os serviços especializados para a comunidade e a venda de lubrificante “promovem a homossexualidade”. De acordo com a ONG, a imposição de tais políticas viola acordos e tratados globais e regionais assinados pelo governo da Tanzânia.

Abaixo, confira as histórias de quatro personagens entrevistados pela Human Rights Watch desde 2018 para o desenvolvimento do relatório:

“[Eles me disseram] ‘Você é um garoto bom, por que faz sexo gay? É por isso que pegou Aids, porque essas ações irritaram Deus.’ Eles também me mandaram parar com essas brincadeiras e me salvar, para expulsar Satã, que me obrigou a fazer sexo, e encontrar uma mulher, casar e formar uma família.”

– “Osman”, homem gay de 24 anos e soropositivo

“Sempre que eu tinha um problema de saúde, podia ir aos centros para ajuda sem discriminação. Hoje em dia, mesmo que eu tenha alguma complicação, não tenho um lugar para ir onde eu possa descrever meu problema, então eu apenas fico quieta… Gostaria que o governo da Tanzânia permitisse que kuchus [pessoas LGBT] tivessem acesso à saúde. Se não tivermos esses serviços, vamos morrer.”

– “Medra”, homem gay de 38 anos, sobre o fechamento de centros pró-LGBT

“Nós tivemos uma reunião com os representantes do ministério de Saúde e eles disseram que não querem ouvir nada em termos de assuntos LGBT. Eles nos acusaram de estarmos ‘recrutando'”

– “Toni”, homem trans que vive em Dar es Salaam

“Os médicos fizeram o procedimento de teste anal. Foi à força. Os policiais estavam lá [no consultório] com armas, muitos deles… Eles pegaram um instrumento de metal e enfiaram – eles penetraram aquilo no nosso [ânus] e foi muito, muito doloroso. E então eles nos mandaram tossir, com o ferro ainda dentro da gente. Quando eu tossi, eles forçaram ainda mais o metal dentro de mim. Foi brutal e doloroso. Eles apertaram os testículos e o pênis. Tudo sobre aquele ‘exame’ foi brutal.”

– “Kim”, jovem não-binário submetido à inspeção anal