O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a Criminalização da LGBTfobia na noite desta quinta-feira (13), após seis sessões. Na ocasião, foram votadas duas ações apresentadas pelo Cidadania (antigo Partido Popular Socialista) e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

“Tema de tamanha importância e que infelizmente tivemos que enfrentar. O bom seria que não houvesse a necessidade de enfrentar este tema”, declarou o presidente do Supremo, Dias ToffoliA discussão, que envolveu processos parados por mais de sete anos no Supremo, foi retomada em 13 de fevereiro deste ano e chegou ao fim hoje com a declaração dos votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e Carmen Lúcia.

Ainda em 23 de maio, o STF havia conseguido a maioria necessária para aprovar a medida, um dia depois de o Senado ter aprovado projeto que inclui a LGBTfobia na Lei do Racismo (7.716/89). 

Abaixo, nós explicamos sete pontos cruciais para entender a importância da votação no STF, o que pode mudar e como isso pode afetar o combate à LGBTfobia. Confira:

O que muda na legislação brasileira com a criminalização da LGBTfobia?

Na prática, o texto legal não sofre alterações. A decisão do STF, se favorável à criminalização, apenas aumenta a interpretação da Lei do Racismo para que ela inclua também a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Isso abriria jurisprudência para que os tribunais do Brasil inteiro fizessem o mesmo, por “efeito vinculante”.

As duas ações (veja imagem abaixo) que serão julgadas pedem que a) o STF reconheça a omissão do Congresso em desenvolver legislação específica para a violência contra LGBTs; e b) o STF reconheça a discriminação contra essa comunidade, incluindo-a na Lei do Racismo.

(Foto: Reprodução | STF | Twitter)
(Foto: Reprodução | STF | Twitter)

Como está a situação até agora?

Na última sessão, realizada em fevereiro, o placar de votação ficou com 4 votos a favor da criminalização e nenhum contra. Votaram os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, além dos relatores Edson Fachin e Celso de Mello.  

De acordo com apuração realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo, outros dois ministros já teriam sinalizado que são a favor da criminalização, o que já garante a maioria necessária de 6 dos 11 votos.

O Supremo Tribunal Federal pode criar leis?

Um dos grandes argumentos de quem é contra essa decisão ser tomada pelo STF é de que o órgão, por representar o Poder Judiciário, não poderia “criar uma lei”, uma vez que isso é função do Poder Legislativo.

A questão é que o STF não estaria “legislando”, a rigor, mas sim suprindo uma carência existente no ordenamento jurídico brasileiro: a identificação de crimes motivados pela discriminação contra ideologia de gênero e orientação sexual. Como o Congresso Nacional ainda não criou nenhum tipo de lei ou emenda que cubra esses crimes, o STF estaria declarando o órgão omisso e, consequentemente, preenchendo essa lacuna.

A partir daí, o “puxão de orelha” do STF estipularia um prazo para que o Congresso finalmente crie uma lei sobre o tema. Esse enquadramento da homofobia e da transfobia na Lei de Racismo valeria como norte para outros juízes, até que o Poder Legislativo aprove uma lei específica para a comunidade LGBT+.

"A posição ideal de um Estado democrático é permitir que cada pessoa viva a sua convicção pessoal”, disse o ministro Luis Roberto Barroso, ao declarar seu voto a favor da criminalização da LGBTfobia (foto: José Cruz | Agência Brasil)
“A posição ideal de um Estado democrático é permitir que cada pessoa viva a sua convicção pessoal”, disse o ministro Luis Roberto Barroso, ao declarar seu voto a favor da criminalização da LGBTfobia (foto: José Cruz | Agência Brasil)

O projeto aprovado pelo Senado interfere na votação do Supremo?

Por enquanto, não. A votação do Supremo é exatamente para que o Legislativo agilize a questão LGBT em suas pautas, algo que não vem sendo debatido naquele âmbito há anos. O projeto votado ontem pelo CCJ ainda precisa passar pela Câmara e, posteriormente, pelo presidente Jair Bolsonaro.

Há ainda um “pequeno” detalhe no projeto aprovado pelo Senado: ele basicamente permite que a homofobia e a transfobia sejam praticadas em templos religiosos, o que pode ser interpretado de duas maneiras. A primeira, “positiva”, é a de que assim eliminaríamos o maior impasse para a criminalização da LGBTfobia, que é o argumento de “censura religiosa”.

A segunda interpretação, mais realista, é a de que religião nenhuma deveria ter liberdade ou proteção constitucional para ferir o direito humano de um cidadão, não importa a base que use para tal ou o artifício que use para disfarçar o discurso de ódio. No caso específico do Brasil, igrejas e templos são pontos onde  esses crimes de discriminação acontecem com maior frequência, isso quando não levam à agressão física e psicológica das chamadas “terapias de conversão”.

Como bem disse o próprio ministro Barroso ao declarar seu voto na última sessão: “A posição ideal de um Estado democrático é permitir que cada pessoa viva a sua convicção pessoal”.

Por que é importante criminalizar a LGBTfobia?

A criminalização da homofobia e de ataques contra pessoas LGBTs motivados pela orientação sexual ou identidade de gênero pode se tornar uma ferramenta vital no combate a diferentes formas de violência na comunidade, seja ela física, emocional, institucional ou social.

Ao enquadrar LGBTs na Lei do Racismo, fica proibida e punível a discriminação em escolas, espaços públicos, ambientes de trabalho, discursos, ambiente familiar etc.

Outro ponto importante é que, com o reconhecimento penal desse crime, a LGBTfobia pode ser melhor mapeada no país. Um dos pontos de consenso em todo o território nacional é que, hoje, esses crimes são subnotificados, o que torna mais difícil o mapeamento de suas ocorrências, suas vítimas e, consequentemente, a criação de políticas públicas que previnam o crime e protejam as vítimas.

Por que incluir LGBTs em uma lei sobre racismo?

No Brasil, a Lei do Racismo, como ficou conhecida a lei nº 7.716/89, não protege apenas as vítimas de discriminação por raça, pelo menos não no sentido rigorosamente literal da palavra. Entende-se, conforme a referida lei, que a violência motivada por “raça social” também engloba religião, cor, etnia ou procedência nacional.

O objetivo é que identidade de gênero e orientação também constem nessa definição. Paulo Iotti, advogado e proponente das ações, argumentou que para o próprio STF já existe esse entendimento de que a ‘motivação por raça’ engloba qualquer ideologia que inferiorize um grupo social em relação a outro.

Qual será a pena de quem for condenado por crime de LGBTfobia?

A punição para quem for condenado por LGBTfobia será a mesma aplicada em quem é condenado por racismo, o que varia de caso para caso. No que diz respeito à reclusão, o agressor pode ser preso por um período que varia de um a cinco anos, dependendo da gravidade. Mas há também sentenças alternativas, como pagamento de multa ou  prestação de serviços à comunidade, o que não sobrecarregaria o sistema carcerário.