A maioria dos adolescentes e jovens trans que recebem atendimento médico para a afirmação de gênero não se arrependem da decisão, concluiu um novo estudo publicado na última semana pelo periódico científico Jama Pediatrics. A pesquisa foi feita com voluntários de 12 anos ou mais que iniciaram algum tipo de tratamento com bloqueadores de puberdade e/ou hormônios.

O levantamento faz parte do Trans Youth Project, um estudo contínuo e longitudinal que começou em 2013, com voluntários do Canadá e dos Estados Unidos. Esse questionário específico foi feito no ano passado e respondido por 220 voluntários, sejam eles os próprios jovens ou seus responsáveis legais.

Os dados apontaram que 97% dos adolescentes e jovens com 12 anos ou mais apresentam “altos níveis de satisfação e baixos níveis de arrependimento” em relação ao início do tratamento médico para a afirmação de gênero.

Em média, o grupo que respondeu a pesquisa havia começado o tratamento com bloqueadores de puberdade há quase cinco anos, e o tratamento hormonal há três anos e meio. Dentre todos os voluntários, apenas 4% expressaram algum tipo de arrependimento.

Segundo Kristina Olson, pesquisadora da Universidade de Princeton que liderou o estudo, esse “arrependimento” pode incluir “uma grande variedade de coisas”. Ela frisa que as respostas incluem desde quem se arrependeu de tomar os bloqueadores ao invés dos hormônios até aqueles que manifestaram alguma preocupação sobre os efeitos colaterais do tratamento.

Em entrevista ao Washington Post, Chris Barcelos, professor associado da Universidade de Boston, frisou que 4% é uma taxa de arrependimento extremamente baixa para tratamentos de saúde. Segundo ele, essa média chega a 20% entre quem faz cirurgias no joelho e a 47% entre pacientes que fizeram algum implante para aumentar os seios.

“O que a maioria das pessoas não entende é que tratamento para afirmação de gênero não é algo fácil de conseguir… Mesmo que você more em um estado onde não há nenhuma barreira legislativa ou política”, disse Barcelos.

Maioria das crianças trans não se arrepende da transição

Há dois anos, um outro estudo já havia chegado a conclusão similar. À época, a pesquisa foi realizada com 317 crianças trans, dos 3 aos 12 anos, e apontou que a grande maioria não se arrependia de ter começado a sua transição ainda na infância.

O grupo de pesquisadores analisou 208 meninas e 109 meninos após a transição social de gênero completa, incluindo as mudanças nos pronomes binários (ele/ela). O grupo foi acompanhado de julho de 2013 a dezembro de 2017, nos Estados Unidos e no Canadá, por encontros pessoais e/ou online.

"Crianças Trans Existem", diz letreiro na 5ª Marcha do Orgulho Trans de São Paulo (Foto: Rafael Monteiro | Revista Híbrida)
“Crianças Trans Existem”, diz letreiro na 5ª Marcha do Orgulho Trans de São Paulo (Foto: Rafael Monteiro | Revista Híbrida)

O estudo mostrou que, após esse período de quase cinco anos para reinserção social e familiar, 94% das crianças analisadas continuaram se identificando como transexual binária (masculino ou feminina), enquanto outras 3.5% passaram a se afirmar como não-bináries. Do total, apenas 2.5% voltaram a se entender como cisgênero, ou seja, que manteve o gênero correspondente ao sexo biológico e atribuído ao nascimento.

De acordo com o estudo, 7,3% do total de 317 crianças acompanhadas passou pela “destransição” ao menos uma vez. Dessas, 1,3% acabou retornando à identidade trans e binária mais tarde. Os dados apontaram ainda que quem começou o processo antes dos 6 anos tinha maior probabilidade de se identificar novamente como cisgênero mais tarde (5.6%). A reversão do processo geralmente ocorria antes dos 10 anos de idade.

“Esses resultados sugerem que as ‘destransições’ são raras. Mais comumente, jovens que iniciaram suas transições sociais em idades precoces continuaram se identificando desta forma”, concluiu o estudo, liderado por uma equipe de cientistas das Universidades de Princeton, de Washington e de Victoria.

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