Após um ano encabeçado pelos escândalos sexuais de Harvey Weinstein e pelo crescimento do feminismo no entretenimento, não foi nenhuma surpresa quando a temporada de premiações também trouxe consigo a pauta da igualdade de gêneros. Também era de se esperar que isso provocasse uma busca por mudanças mais efetivas na indústria, com mulheres ganhando espaço, reconhecimento, respeito e salários justos no cinema. E durante a 75ª edição do Globo de Ouro na noite deste domingo (07/01), foi até visível que a intenção de tratar o problema estava ali, mas sua solução ainda permanece falha.

Da omissão de Greta Gerwig (“Lady Bird — A Hora de Voar” , um dos filmes mais elogiados e aclamados do ano) na categoria de Melhor Direção à ovação recebida por Kirk Douglas — um dos homenageados da noite, suspeito de ter estuprado a atriz Natalie Wood, em 1954-, a premiação realizada pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA) foi muita pompa para uma dose elevada de hipocrisia.

E se você não teve a chance de acompanhar isso ao vivo, aqui vai uma recapitulação feita com carinho por nós da Híbrida:

DEBRA MESSING NO TAPETE VERMELHO

O traje da noite era o preto, simbolizando a luta contra os casos de assédio e abuso em Hollywood, ancorado pelo broche da Time’s Up, uma iniciativa que promove fundos para mulheres lutarem contra a violência sexual. Mas algumas atrizes foram além: levaram ativistas dos direitos das mulheres como acompanhantes. Foram, a exemplo, os casos de Meryl Streep (que levou Ai-jen Poo), Emma Stone (com Billie Jean King), Emma Watson (Marai Larasi), Michelle Williams (Tarana Burke, a criadora do movimento #MeToo), dentre outras. Mas um dos maiores destaques do tapete vermelho, sem dúvidas, foi Debra Messing, que ao ser entrevistada por uma repórter do canal E!, cutucou a emissora: “Eu fiquei muito chocada ao escutar que a E! não acredita em pagar suas apresentadoras mulheres o mesmo tanto que paga aos homens”.

O MONÓLOGO DE ABERTURA DE SETH MAYERS

Apresentador desta 75ª edição, o âncora Seth Mayers tocou em assuntos espinhosos ao lançar seu monólogo de abertura na premiação, mirando direto nas figurinhas fáceis entre os predadores de Hollywood: Weinstein, Kevin Spacey e Woody Allen foram citados em piadas que chegaram a envolver até mesmo alguns dos filmes concorrentes, como Me Chame Pelo Seu Nomee “A Forma da Água”, mais indicado da noite, com duas vitórias (Guillermo del Toro como Diretor e Alexandre Desplat com Trilha Original). A audiência pode rir dos fragmentos de um 2017 traumático, mais do que em qualquer outra circunstância anterior, mesmo quando a piada parecia se esgotar e ir um pouquinho além: nem todos na platéia acharam graça quando Meyers disse que Weinstein seria a primeira celebridade vaiada num futuro “In Memorian”.

JAMES FRANCO LEVA TOMMY WISUEAU AO PALCO

Diretor e estrela de “O Artista do Desastre”, James Franco levou para a casa o prêmio de Melhor Ator em Comédia/Musical por reviver Tommy Wiseau, a figura misteriosa e emblemática por trás de um dos melhores-piores filmes já feitos, “The Room”. Para agradecer, Wiseau subiu ao palco, mas foi impedido de falar algo no microfone com um gesto um tanto quanto rude de Franco. No mesmo instante, pipocavam pelo Twitter mensagens insinuando que Franco seria o próximo ator a ser denunciado por assédio em Hollywood. Profecia que acabou se concretizando horas depois, graças às acusações levantadas pela atriz Violet Paley .

O DISCURSO DE OPRAH WINFREY

Figura antológica da cultura popular norte-americana, Oprah Winfrey foi a grande homenageada da noite com o prêmio Cecil B. DeMille, que presenteia artistas pelo conjunto de sua obra no entretenimento. Eloquente e incisiva, a atriz, produtora e apresentadora foi anunciada ao palco por Reese Witherspoon. Após uma retrospectiva de sua trajetória nos telões, Oprah fez o discurso mais memorável da noite, salientando que era a primeira mulher negra a recebertal honra e referenciando o movimento #MeToo com uma lição sobre luta e resiliência. Não apenas, há quem acredite que esse foi o primeiro sinal público de uma possível candidatura da magnata  à Presidência, em 2020.

A CUTUCADA DE NATALIE PORTMAN 

Ao apresentar a categoria de Melhor Direção ao lado de Ron Howard, Natalie Portman, que na última edição levou como Melhor Atriz em Drama por “Jackie”, deu a melhor alfinetada da noite ao citar de forma breve e concisa a falta de diversidade numa cerimônia que, aparentemente, está interessada em defender a diversidade: “E aqui estão todos os indicados masculinos”, soltou. A platéia foi ao delírio enquanto os concorrentes demonstraram certo embaraço.

O DISCURSO DE FRANCES MCDORMAND

Surpreendentemente vencendo pela primeira vez um Globo de Ouro, Frances McDormand chegou ao palco fazendo graça e deu o agradecimento mais divertido da noite, quase ao finalzinho da premiação. Ofereceu tequila às demais indicadas, agradeceu Martin McDonagh por seu papel no filme que lhe rendeu a estatueta de Melhor Atriz em Drama, “Três Anúncios Para um Crime”, e brincou com uma crítica à desigualdade salarial para mulheres no mercado, dizendo: “Nós mulheres não estamos aqui pela comida, mas pelo trabalho”.

A DUVIDOSA VITÓRIA DE GARY OLDMAN

Numa premiação com a tentativa de provocar um tom tão social e politicamente consciente como a de ontem, algumas vitórias e referências soaram no mínimo cínicas e deslocadas. E o prêmio de Melhor Ator em Drama entregue a Gary Oldman por “O Destino de Uma Nação” foi uma delas. Mesmo acusado de espancar sua esposa e defender Mel Gibson por suas declarações antissemitas, a estatueta entregue a Oldman não é exatamente uma surpresa: o ator tem se despontado como um dos favoritos na categoria, especialmente se tratando de um papel atrativo para premiações como Winston Churchill (1874 – 1965). Hollywood abriu um novo cenário, mas continua cometendo os mesmos erros.

“TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME” É O GRANDE VENCEDOR DA NOITE

Com 4 estatuetas em mãos (Melhor Filme Drama; Melhor Ator Coadjuvante para Sam Rockwell; Melhor Roteiro para Martin McDonagh; e Melhor Atriz em Drama para Frances McDormand), o melodrama com toque humorístico liderou a disputa da cerimônia. Numa temporada que até então parecia imprevisível, o filme de McDonagh desponta ao lado de “Lady Bird — A Hora de Voar” (Melhor Filme Comédia/Musical e Melhor Atriz em Comédia/Musical) como favorito para a estatueta mais importante do Oscar. Mas assim como o queridinho “La La Land — Cantando Estações” perdeu espaço para “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, Três Anúncios pode estar prestes a trilhar o mesmo caminho: no Twitter, diversos usuários e críticos escancararam o que há de mais absurdo no longa, que não está interessado em nenhum avanço nas questões raciais que propõe, mas sim em alimentar a consciência branca.