No segundo mergulho da História Queer na Segunda Guerra Mundial, nós veremos um lugar igualmente crítico para o progresso do movimento LGBTQ: o Institut für Sexualwissenschaft (ou “Instituto de Sexologia”, em tradução livre). Fundado em Berlim, em 1919, a instituição foi revolucionária para a organização política da comunidade e estabeleceu a base para um legado de aceitação e entendimento do corpo humano, mesmo que posteriormente tenha sido dilacerado pelos poderes que viam seu trabalho como “muito progressista”.
A existência do Instituto na Alemanha há mais de 100 anos pode ser surpreendente, dada a forma que a maior parte de sua história tem sido retratada. Antes da ascensão de Adolf Hitler, no entanto, o país era o coração do ativismo LGBT na Europa. Alguns dos mais prolíficos pesquisadores e médicos LGBTs chamaram Berlim de lar e, devido à presença deles, a cidade se tornou um antro de apoio e discussão aberta. E muita dessa “discussão aberta” pode ser atribuída à existência do Instituto de Sexologia.
Esse pequeno prédio atraía anualmente 20 mil pessoas de toda a Europa e tornou-se também o maior arquivo de ativismo e pesquisa LGBT daquela época. Sua biblioteca e suas instalações serviram como uma pseudo-universidade para os intelectualmente curiosos.
O Instituto também funcionou como uma clínica, que prestava cerca de 1.800 consultas por ano. Um de seus fundadores, Magnus Hirschfeld, foi um conhecido defensor de abortos acessíveis e da contracepção, e por meio do seu trabalho no local eles espalharam informação sobre doenças sexualmente transmissíveis por toda a comunidade LGBT da época.
Foi também lá que aconteceu a primeira cirurgia de readequação sexual, além de o Instituto contar com muitos pacientes e funcionários transgêneres, em igual medida. Inclusive, foi ali que Lili Elbe, a mulher trans que deu origem ao filme “A Garota Dinamarquesa”, realizou sua cirurgia de transição de gênero.
Sendo a maioria dos visitantes e clientes pessoas queer, a pobreza era familiar para o Instituto. Sem fins lucrativos, ele era como uma empreitada altruísta. A equipe alugava quartos no prédio e adequava o preço do aluguel de acordo com o que as pessoas tinham; ocasionalmente, algumas ficavam de graça. Eles também não cobravam clientes pobres por consultas, tornando descobertas sobre saúde sexual o mais acessíveis possível.
Justiça através da ciência
– Magnus Hirschfeld
Esta aceitação não duraria muito. Enquanto o Instituto trabalhava para mudar a cultura de Berlim, obtendo sucesso por um curto período de tempo, Hitler e seus seguidores trabalhavam contra isso. Apesar do apoio de muitos indivíduos importantes, incluindo Albert Einstein, o local se encontrou em perigo quando o líder nazista ascendeu ao poder. Em 1933, jovens fascistas pegaram o arquivo de 20 mil textos do Instituto e o queimou nas ruas da cidade.
O local foi fechado, sua informação foi perdida e muitos da equipe foram levados para campos de concentração, onde morreriam junto ao resto dos “indesejáveis” de Hitler. O Instituto de Sexologia foi a “Biblioteca queer de Alexandria”: construído para o progresso, somente para ser destruído por aqueles que o rejeitavam.
A comunidade LGBT do século 20 perdeu algo no dia em que aqueles livros foram queimados, assim como a comunidade de hoje também deixou de ter um lugar onde estávamos no controle de nossa narrativa. Um lugar onde informação sobre pessoas queer estava sendo pesquisada, contada e ensinada por pessoas queer, tudo isso interrompido por conta da hipocrisia, do medo e da tirania de um homem e sua legião de seguidores.
Ao mesmo tempo, a destruição do Instituto é informativa. O que Hitler reconheceu na existência do Instituto foi que educar as pessoas levava ao empoderamento delas. Destruindo esta oportunidade para a educação, ele e preconceituosos como ele tentaram destruir nosso poder.
LEIA TAMBÉM —> Magnus Hirschfeld, o médico gay e judeu que defendia LGBTs do Nazismo
LEIA TAMBÉM —> A perseguição de mulheres lésbicas, bis e homens trans no Holocausto
Este texto foi adaptado do original de Laura Mills e faz parte do projeto Making Queer History cuja existência só é possível graças a doações. Se tiver interesse, você pode fazer uma doação única no Paypal ou tornar-se um Patrono.