(Com João Ker)
Nem mesmo a quarentena do coronavírus, as regras de isolamento social e a maior crise sanitária dos últimos 100 anos cessaram os ataques contra travestis e transexuais em 2020. No Brasil e no mundo, episódios de transfobia dividiram as manchetes com a covid-19. Abaixo, nós listamos 10 desses piores momentos que marcaram o ano, com a ajuda do pessoal da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
1. J. K. Rowling e o lobby anti-trans: a autora bilionária de Harry Potter aproveitou o ano de 2020 para sair em uma cruzada contra a população transgênero, apoiada nos argumentos mais preconceituosos do feminismo radical. Seu movimento gerou uma resposta firme de ONGs e associações pelos direitos LGBTI+ em todo o mundo, de outros autores celebrados que saíram em defesa das pessoas T e de dois dos principais atores da franquia HP nos cinemas, Daniel Radcliffe e Emma Watson.
2. Política hostil: não bastasse o presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) continuar com a ladainha sobre ideologia de gênero, ele ainda tem usado os mecanismos oficiais da República para sua cruzada contra direitos LGBTI+. O exemplo mais claro disso foi o pedido da Advocacia Geral da União ao Supremo Tribunal Federal para rever a decisão que equiparou o crime de LGBtfobia ao racismo e pedir esclarecimentos específicos sobre a possível proibição do acesso de “pessoas do grupo LGBTI+” a espaços como banheiros, vestiários, vagões de transporte público e até estabelecimentos de cumprimento de pena, como prisões.
3. Músicas sertanejas: foram quatro momentos em que o sertanejo se mostrou transfóbico esse ano. Apesar de Marília Mendonça ter se desculpado por uma piada infeliz que fez sobre as pessoas T durante uma live, o mesmo não pode ser dito de Bruno, da dupla com Marrone. As últimas semanas do ano ainda trariam as músicas “Lili”, de Pedro Motta e Henrique, e “Walesca”, de Tierry , essa última ainda contando com o apoio de Carlinhos Maia na divulgação. Cada um a seu modo, eles mostraram como o tom jocoso, estereotipado e pejorativo ainda é uma prática comum ao se referir a travestis e transexuais no gênero musical.
4. Trans no esporte: a tentativa de excluir atletas transexuais do esporte continuou em 2020, dessa vez através de 30 esportistas cis que enviaram uma carta ao Comitê Olímpico Internacional (COI) para evitar a suposta “destruição dos esportes femininos” e o que elas chamam de “flagrante discriminação contra as mulheres em razão do sexo biológico”. No Brasil, a votação do PL 346 , que estabelece o “sexo biológico” como único critério para disputas oficiais no Estado de São Paulo, foi adiada para o próximo ano, mas a possibilidade de que ele seja aprovado ainda existe.
5. Ex-ministro da Educação ataca professoras trans: em uma entrevista desastrosa ao Estadão, Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação, não só culpou as “famílias desajustadas” pela existência de homossexuais, como ainda admitiu ter “certas reservas” contra professores transexuais em sala de aula. “Se ele não fizer uma propaganda aberta com relação a isso e incentivar meninos e meninas para andarem por esse caminho…. Tenho certas reservas”, disse.
6. Thammy Miranda no Dia dos Pais: meia década depois de O Boticário ter sofrido uma tentativa de boicote por incluir um casal gay na propaganda do Dia dos Namorados de 2015, a Natura recebeu a mesma resposta por contratar Thammy para uma campanha de Dia dos Pais. O tiro saiu pela culatra e as ações da empresa tiveram aumento de 6,73% na Ibovespa após o episódio. O pastor Silas Malafaia, que também esbravejou insultos contra o ator e a propaganda, foi denunciado ao Ministério Público por transfobia.
7. Ataques a vereadoras trans: não bastasse a transfobia institucional, conservadores de plantão não receberam com tranquilidade o recorde de vereadoras trans eleitas em 2020 e começaram a ameaçá-las de morte. Algumas das principais vítimas escolhidas foram Benny Briolly (PSOL), em Niterói, e Duda Salabert (PSD), em Belo Horizonte.
8. Campeão nos assassinatos: nem o isolamento social fez com que o País parasse de matar travestis e transexuais e, pelo 12º ano consecutivo, o Brasil venceu o ranking mundial de assassinatos dessa população. Ao todo, foram 152 vítimas fatais da transfobia entre 1º de outubro de 2019 e 30 de setembro deste ano.
9. Quarentena na América Latina: nos primeiros meses de pandemia, países como Peru, Panamá e Argentina resolveram implementar quarentenas com base em gênero, nas quais homens e mulheres tinham permissão para sair na rua apenas em dias alternados. As medidas, como é de se esperar, não respeitavam as identidades de pessoas transexuais e foi o pretexto perfeito para que agentes de segurança praticassem violência moral e física contra a população. Relatos similares também se espalharam mais tarde por Colômbia e Honduras.
10. Elenco de Pose esnobado: enquanto as discussões sobre a importância de representatividade avançam em todo o mundo, o elenco de “Pose”, que conta com o maior número de atores e atrizes trans da TV norte-americana, foi esnobado mais uma vez das principais indicações ao Emmy 2020 e amargou apenas a nomeação de Billy Porter à categoria de Melhor Ator em Série Dramática.