O sol brilhou forte no céu ao longo deste domingo (11), enquanto a 27ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo lotava a Avenida Paulista com atos políticos históricos, shows energizantes e muita celebração. Da concentração pela manhã ao fim na Praça Roosevelt, a capital paulista mostrou por que a edição daqui é considerada a maior do mundo, ao mesmo tempo em que o evento conseguiu resgatar a sua força política e articuladora sem deixar a alegria de lado.

Das apresentações de artistas como Pabllo Vittar e Daniela Mercury aos discursos incisivos de representantes políticos, confira abaixo os melhores momentos da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo.

Erika Hilton desafia o Brasil

Durante a cerimônia de abertura da Parada, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) fez um discurso acalorado no qual disse que “o Brasil é preto, é viado, é sapatão, é travesti, é bissexual” e nosso. “Este sim é um dia de festa e de celebração, porque ser LGBTQIA+ nesse País é um grande desafio. […] Mas é um dia de muita luta, resistência, garra, força e união.”

Ao final, ela lançou um desafio: “O Brasil está pronto para ter a primeira presidente travesti?“. Em um papo com a Híbrida depois do discurso, Erika respondeu à própria pergunta: “O Brasil não está pronto. Mas o Brasil está sendo preparado para isso”.

Silvio Almeida faz discurso histórico

Em uma participação histórica na Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, discursou logo após Erika Hilton e afirmou que a data é uma dia de celebração, “de festa, mas também de luta”. “Todas as pessoas que estão aqui devem ter muito orgulho, sim. Muito orgulho porque estão vivas. Porque são o que são, porque existem apesar de um mundo que as violenta, que as massacra e lhes tira a dignidade”, disse.

“Quem diz que o orgulho das chamadas ‘minorias’ é algo que divide o Brasil, não entende e não sabe o que é o Brasil, na sua pluralidade e na sua diversidade. […] Esse evento marca a união do Brasil e não a divisão. O que se reivindica aqui é poder fazer parte do povo brasileiro, é poder ter acesso aos direitos e aos serviços públicos de qualidade. É um grande grito pelo direito de existir, de ser brasileiro”, afirmou Almeida.


O ministro ainda reforçou que “ser brasileiro é lutar pelo direito de todas as pessoas” e que a data representa “uma grande virada no que significa pensar a luta por direitos” no País. “Tenham orgulho! Saibam que vocês estão lutando pela unidade e pela verdadeira democracia do Brasil. E saibam que é dever do Estado brasileiro garantir que vocês tenham o direito de existir dignamente e de amar como vocês devem amar, como quiserem amar. Isso é a essência da liberdade. E essa é a liberdade que nos interessa, não a de agredir e ofender as pessoas.”

O retorno de Symmy Larrat

Com décadas de ativismo em São Paulo e no Brasil, Symmy Larrat voltou à Parada deste ano como secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e também a primeira travesti a ocupar um cargo desse nível na administração federal. Em seu discurso, ela defendeu que o governo Lula esteja junto com essa população “comprometendo-se a construir as políticas sociais que ajudam a mudar essa realidade”.

“A parada é o momento em que vamos às ruas para lutar contra uma narrativa que nos mata, que diz que nós temos que ter vergonha de ser quem somos. Por isso, é importante a narrativa do orgulho, nós temos que ter orgulho de ser quem somos”, afirmou.

Pepita manda um recado a Valadão

Primeiro ato a se apresentar no trio da Amstel, Pepita chegou com uma energia ímpar jogando o público lá no alto e comemorando o fato de ser mãe. Além de apresentar seus muitos sucessos e receber Brunna Gonçalves para um cover de “Verdinha”, da Ludmilla (que deixou a esposa ir sozinha à Parada porque hoje tem Numanice em Porto Alegre, segundo a própria Brunna contou à Híbrida), a artista também aproveitou para enaltecer as travestis, puxar um coro das p*ranhas e mandar um recado ao pastor André Valadão.

“Quero falar com o pastor Valadão. Vai tomar no olho do seu c*. O orgulho é meu e eu vou fazer do jeito que eu quiser. Se não gostou, me engole e me solta pelo c*”, gritou, enquanto era ovacionada pelo público. “Aqui é terra de travesti!”

Na semana passada, André disse em um culto online que “deus odeia o orgulho”. Um dia depois, Erika Hilton enviou uma representação ao Ministério Público de Minas Gerais denunciando o pastor por homotransfobia.

O espetáculo de Pabllo Vittar

Headliner do trio da Amstel, Pabllo Vittar fez mais uma participação já histórica na Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, apresentando os maiores sucessos do seu vasto catálogo, indo desde as colaborações aos mais recentes hits do disco Noitada. Com balé, coreografia, vocais e carisma impecáveis, a maior drag queen do País arrastou uma multidão ao longo de mais de duas horas de show.

O público não aguentou o frenesi e, por toda a extensão da Avenida Paulista e da Rua Consolação, pulou do início ao fim, se pendurando na corda, escalando árvores, pontos de ônibus e se debruçando pelos parapeitos e pelas janelas do percurso. Antes do show, Pabllo ainda falou com a Híbrida sobre a importância política da Parada. A entrevista está aqui.

As cores de Daniela Mercury

Além de ser uma das principais vozes do Brasil e uma das militantes mais comprometidas no meio artístico, Daniela Mercury provou neste domingo que continua sendo a definitiva Rainha do Axé com um show de tirar o fôlego no trio da Vivo. Com uma saia enorme formada pelas bandeiras do Orgulho LGBTQIA+ e do Orgulho Trans, a baiana esbanjou energia enquanto ia dos hits mais consolidados, como “Rapunzel”, ao mais recentes, como “Carnaval Sem Censura”.

A estreia de Thiago Pantaleão

Ao lado de Majur, Thiago Pantaleão foi uma das principais atrações musicais no trio elétrico patrocinado pela L’Oréal e pelo Mercado Livre. O carioca, que fez sua primeira apresentação na Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, apresentou sucessos como “LAMBO” e “Mente Pra Mim”, com coreografias e simpatia de tirar o fôlego, mostrando que está pronto para se tornar presença fixa nas próximas edições do evento.

Feira Cultural da Diversidade

Na quinta-feira (8) anterior ao evento principal, a Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOLGBT-SP) promoveu mais uma Feira Cultural da Diversidade, que integra o calendário oficial da organização durante o feriado. A edição deste ano lotou o Memorial da América Latina com expositores da comunidade e das marcas patrocinadoras, fomentando uma chance única para negócios liderados pela nossa população e da disseminação de direitos e oportunidades em São Paulo, com estandes dos governos municipal e estadual promovendo informações sobre acesso à saúde, garantias legais e mais.

Algumas das ativações de marcas chamaram mais atenção que outras. A L’Oréal, por exemplo, além de ter feito ações pontuais sobre beleza, também disponibilizou um QR Code pelo qual era possível enviar o currículo para trabalhar na empresa. Já a Smirnoff cadastrou pessoas interessadas em um curso profissionalizante de coquetelaria.

Talvez a mais efetiva, entretanto, tenha sido a da Amstel, que em parceria com a PoupaTrans arcou com os custos da retificação de nome e gênero em todos os documentos das pessoas transexuais e travestis que se cadastraram no estande. O preço nos cartórios do Brasil costuma girar em torno de R$ 400, a depender de qual é a alteração necessária e da localidade.

Aos 30 anos, Chai Bonfim conseguiu retificar os documentos graças ao mutirão da Amstel (Foto: João Ker | Híbrida)
Aos 30 anos, Chai Bonfim conseguiu retificar os documentos graças ao mutirão da Amstel (Foto: João Ker | Híbrida)

“Eu estava tentando desde antes da pandemia, mas não conseguia fazer porque o valor não cabe no meu orçamento”, disse à Híbrida a garçonete Chai Bonfim, que só conseguiu retificar seus documentos agora, aos 30 anos, graças ao mutirão da Amstel.

A empresária e cantora Raquel Virgínia foi a primeira a aproveitar a oportunidade durante a Feira: “Muitas das pessoas que integram a comunidade trans enfrentam diferentes barreiras físicas e sociais para alcançar seus objetivos. Esta ação tem o potencial de mudar vidas e é uma continuidade do trabalho que a marca realiza em prol da comunidade, nos celebrando e apoiando a sermos o que quisermos ser, inclusive nos documentos oficiais”.

Raquel Virgínia no estande da Amstel durante a Feira Cultural da Diversidade (Foto: Divulgação)
Raquel Virgínia no estande da Amstel durante a Feira Cultural da Diversidade (Foto: Divulgação)

Celebração do orgulho e reforço da luta política

Dos discursos de Erika Hilton, Symmy Larrat e Silvio Almeida à presença de outros representantes do governo federal e até do Zé Gotinha, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo retomou uma forte verve de reivindicação política que se fez presente de forma menos explícita nas edições anteriores. Como me disse em entrevista ao Estadão o presidente da primeira edição do evento, Beto de Jesus, “política não é só discurso”.

“É a semiótica e a liberdade expressada pelos corpos ali presentes, onde as famílias podem estar presentes com seus filhos. Quando as pessoas estão lá, estão felizes. Obviamente, a gente não vive a sexualidade só no dia da Parada, mas esse é um dia especial para nós, como se fosse o nosso aniversário”, disse Beto.

Com um público estimado em 4 milhões, a Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo ocupou as ruas por mais uma edição com uma comunidade que segue evoluindo e depois de quatro anos agonizantes está pronta para ser vista e ouvida, mas também para acolher quem quiser participar da nossa festa e da nossa luta.