O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta quarta-feira (13) que ambas as mães de um relacionamento homoafetivo têm direito à licença-maternidade e à licença-paternidade, independente de quem foi a responsável pela gestação do bebê.
A decisão da Suprema Corte foi unânime e tomada com base no caso de uma mãe, servidora pública, que teve a licença-maternidade negada pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, em São Paulo, por não ter gestado o bebê, ainda que tenha doado os óvulos para a fertilização na companheira.
A mulher responsável pela gestação é autônoma e não pôde tirar a licença-maternidade porque precisou retomar o trabalho. Sua esposa, que doou os óvulos para a fertilização, requereu então o período de folga remunerada por 180 dias, previsto na legislação local, mas teve o pedido negado pela administração municipal de São Bernardo do Campo.
Em seguida, ela acionou a Justiça de São Paulo alegando, entre outras coisas, que a criança integra uma família composta por duas mães. Na impossibilidade de uma delas ficar em casa, a outra teria direito à garantia constitucional da licença-maternidade.
O pedido foi julgado procedente pelo juízo de primeiro grau, e a sentença foi mantida pela Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública. O município então recorreu ao STF com o argumento de que não há previsão legal que autorize o afastamento remunerado a título de licença-maternidade para a situação tratada nos autos.
O ministro Luiz Fux, relator do caso, defendeu uma “interpretação não reducionista do conceito de família” e criticou como as leis sobre o tema são baseadas em um “modelo tradicional de família centrado na heteroafetividade e no vínculo indissolúvel do casamento”.
“A Constituição reconhece como legítimo modelos de famílias independentes do casamento e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus dependentes”, disse Fux. “Mãe também é essa que forneceu os óvulos para que a outra pudesse gestar o filho que nasceu.”
A decisão de repercussão geral criou jurisprudência para que o mesmo entendimento seja aplicado em todos os casos similares julgados nas instâncias inferiores.
Licença-maternidade x licença-paternidade
O ministro Alexandre de Moraes, que como os colegas também acompanhou o voto do relator, propôs a tese de que ambas as mães deveriam ter direito aos 120 dias remunerados, como estabelecido na licença-maternidade. “A partir do momento que anuncia união estável homoafetiva, e são duas mulheres, as duas são mães.”
A tese de Fux, entretanto, estabelecia que o benefício só fosse concedido a uma das mães e a outra teria que tirar o equivalente à licença-paternidade. “Se a filiação decorresse da adoção, somente uma das mães poderia usufruir o benefício; duas licenças cheias de maternidade poderiam sobrecarregar a previdência”, argumentou.
O argumento de que duas licenças-maternidades poderia sobrecarregar o INSS foi rechaçado por Moraes. “Primeiro, porque são poucos casos”, disse. “Segundo, que ao adotarmos esse entendimento, queremos replicar o modelo tradicional de casamento, homem e mulher, para um casal homoafetivo, de mulher e mulher. Estamos dizendo ‘essa é a mãe e essa outra é o pai’.”
A tese de que ambas teriam direito à licença-maternidade também foi defendida por Dias Toffoli e Cármen Lúcia. “O mundo mudou, a vida mudou. Muda tudo, só não muda uma coisa: a mãe e a necessidade dessa proteção”, disse a ministra.
O ministro Flávio Dino propôs ainda que a decisão fosse replicada no caso de famílias formadas por dois pais. “Por simetria, para deixar claro que há igualdade de proteção para as duas situações, sejam duas mulheres ou dois homens.”
Por fim, venceu a tese do relator, com a seguinte decisão:
“A servidora pública ou trabalhadora regida pela CLT não-gestante, em união homoafetiva, tem direito ao gozo da licença-maternidade. Caso a companheira tenha usufruído do benefício, fará jus ao período de afastamento análogo ao da licença-paternidade.”
Luanda Pires, especialista em Direito Antidiscriminatório do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADVS) e da Associação B. Mulheres LBTIs, acompanhou o julgamento desde o início, no último dia 7. Ela frisou a importância do direito reconhecido para mães que trabalham na iniciativa privada e no funcionalismo público.
“É um reflexo de equiparação da união homoafetiva à heterossexual, onde a gente tem as duas pessoas genitoras da família fazendo jus ao benefício da licença, para que ambos acompanhem esses primeiros meses de vida da criança”, analisou.
“A decisão foi o mínimo do mínimo então. Ela não foi ruim, certamente não foi um retrocesso, mas está muito longe de ser uma decisão de vanguarda e muito boa, como as anteriores sobre direitos LGBTI+, porque entendo que o correto seria a posição da minoria, de igualdade material e não meramente formal, para proteger casais homoafetivos em sua especificidade e não por parâmetro heternormativo”, avaliou Paulo Iotti, presidente do GADVS.